Neste momento pensam vocês esta gaja é parva, então tem uma tese pa escrever e vem outra vez falar do creoula?. Pois tenho. E cá estou. Mas este pequeno episódio já estava escrito e reparei que se escaparam 10 dias desde que postei o último. Os instruendos têm de ser alimentados.
Há a história do gato malhado e da andorinha sinhá. Há a história da gaivota e do gato que a ensinou a voar. E há a história do Cabo Costa e da andorinha-do-mar...
Era uma vez o Cabo Costa que manejava os seus cabos em descanso quando as instruendas atentas subiram a bordo, no Alfeite. Cabo Costa viera recentemente do mar do Norte, onde tinha estado a filmar mais um anúncio da Old Spice, ao eterno som Orffiano de Carmina Burana (aquela assim: “tan tan tan tan, TAN TAN, tan tan tan tan, TAN TAN, tan tan tan tannnnn tannn tan tan...” tão a ver, não é?). Das gravações intensivas ao som da música, Cabo Costa acabara por ganhar um olhar um pouco ausente, talvez misterioso, um ar que se tornava apelativo. Mas as instruendas miravam à distância, cada uma medindo em silêncio os seus poderes e calculando probabilidades baseadas em distribuições Gaussianas, como haviam aprendido (e com distinção) na Escola Mediana dos Supra-Heróis com Potencialidades e Mania das Grandezas - “EMSHPMG”, como se dizia para facilitar...
Cabo Costa só era avistado às vezes, normalmente à hora da faina de mastros em que todos eram obrigados a subir ao convés para içar as velas. Aí vinha ele, trazendo consigo o porte da Gant e cumpria com gosto o seu dever. Upa upa, força, muitos sorrisos, “VAI, VAI”, gritava aqui e ali e depois desaparecia. Era uma pessoa cordial e atenciosa. Logo na primeira faina, aquela em que Cajó passeava a máquina de filmar e soltava comentários à canal Odisseia, Cabo Costa deu-lhe a missão de rodar um certo botão para on à sua ordem. Cajó, compenetradíssimo, fixou todo o tempo o aparelho para que o botão não lhe fugisse. E, não só conseguiu, como filmou a proeza!! (foi nesse momento que virou o écrãn da máquina para si próprio, sorriu em rasgo e ergueu o punho num sinal claro de vitória). Pensei: Cabo Costa, além do mais, é esperto, ocupou o irritante e manteve-o quieto para não estorvar. Palavra mais linda, esta do estorvar...
E, de resto, quase não se deixou voltar a ver. Até à noite da andorinha.
Regressávamos já a Lisboa e deviamos navegar algures ao largo da costa vicentina. Tinha sido o primeiro dia de ondulação forte e as aves voavam agitadas por cima do mar. Nessa altura já só tínhamos turnos de dia e, naquele momento, começava a escurecer. O turno estava no fim pelo que, como sempre, mais de metade de nós sentava-se na popa, junto à ponte, a ver o tempo passar. Cabo Costa marcava presença, não sei se estaria de turno também. Começámos a prestar atenção a uma andorinha-do-mar que fazia vôos rasantes à ponte, circulava o local e era depois arrastada pelo vento. Impressionou-me como o bicho parecia uma folha de papel à mercê dos elementos. E Cabo Costa ficou também impressionado! Estava fascinado... Sussurrava quase tanto como a Rapariga-Sussurrante, para não incomodar a ave que, num arremesso, se conseguira atirar à ponte e encaixar lá num spot com menos vento. Podiamos aproximar a mão até uns 20 centímetros da gaja, que ela não se mexia. E o Cabo Costa, todo derretido, não lhe tentem mexer, não assustem a coitadinha, ela está estafada! E eu a pensar atão não é suposto serem marujos rudes do mar? Confesso que mal topei a andorinha achei que estava tudo fod... e que pouco tardaria para jantarmos Sterna hirundo no espeto, esse belo pitéu (sempre variava do atum, não era?). Mas, graças ao Cabo Costa, que fez ali guarda à bicha, afastando com ímpeto e alguma ofensa as “brincadeiras” dos amigos, a andorinha passou uma noite tranquila. Era bonzinho. Não desenvolvia muito, vim a perceber um pouco mais tarde, mas era bonzinho.
31/10/07
29/10/07
e o dia amanheceu com novidades
MAIS 15 DIAS!! Vou ter mais 15 dias!!!! O Senhor existe e ouviu-me! Prometo, prometo, prometo, promeeeeeto, que vou continuar muito concentradinha... Só que agora passo a dormir. :)
28/10/07
ainda há vida deste lado
Estou cansada. Por enquanto não posso escrever mais do que estas poucas linhas. Sublinhando que estou cansada. Durmo pouco. Dói-me as costas (passo o dia ao computador), os olhos (fixo linhas e quadradinhos o tempo todo), a cana do nariz (nunca chego a tirar os óculos) e, não esquecer, dói-me a cabeça – tudo isto não estaria completo sem ela.
É só mais uns diazinhos... Ainda falta tanta coisa... :(
Pela positiva, hoje ganhámos uma hora. Soube que nem ginjas.
É só mais uns diazinhos... Ainda falta tanta coisa... :(
Pela positiva, hoje ganhámos uma hora. Soube que nem ginjas.
21/10/07
no céu espelhado VI
A realidade não voltou a ser mesma desde que, cavalgando já um mar vagalhoso (notem como continuo a inventar adjectivos sem hesitar), entrei com a Wonder-Sister na casa de banho das fêmeas. A intenção era, segundo me recordo, fazer um aliviante xixi – coisa que quase peca pela vulgaridade, eu sei.
No momento em que abrimos a porta, o cheiro foi nauseabundo. E veja-se que já tenho cheirado muita coisa, dou garantia segura do calibre de mau cheiro!
- Bem, que pivete! Ganda nojo... (eu)
- Pois, parece que as meninas da faxina hoje não levaram a coisa muito a sério (ela)
Depois de todo um repertório de caretas, lá nos decidimos a dar o passo seguinte e aproximar-nos das retretes. Quando me apercebi, Wonder tinha entrado no compartimento que havia entre as retretes e o duche e saía a rodopiar já com o seu fato de super-heroína (acho que gramava da cena à Clark Kent) e mais que preparada para a batalha, de líquido de limpeza em riste. Surpreendi-me. Ena, que eficácia! E colei num post-it mental: Em caso de crise odorífera, chamar WS. Entretanto já o colei também num post-it real, no frigorífico aqui de casa – espero que ela não se importe, é que dá sempre jeito ter alguém com disponibilidade para dar um jeitinho às casas-de-banho.
Inspirámos fundo e abrimos as portinhas dos cubículos infernais.
.......................
Foi...
..........
......
uma visão.....
.......
.................
como dizer?...
.......
aterradora!
Aquele fundinho de água que costuma ficar lá em baixo e serve fundamentalmente para amplificar o som que o xixi faz ao cair (tshhhhhhh) e avisar aos demais ocupantes do espaço, quando este é público, que ainda não terminámos, um barulhico para as orientais muito constrangedor (não sei se sabem, ficam a saber), bem, dizia eu que aquele que costuma ser um fundinho de água estava, nesse momento, transmutado numa massa negra, de cheiro pestilento, que a cada balanço do barco subia perigosamente de nível. Wonder-Sister desatou a esguichar um desinfectante para dentro da água nojenta e foi puxando o autoclismo repetidamente, a ver se ajudava. Eu imitei, mas tivemos pouco sucesso.
- Não vale a pena, vou fazer xixi à casa-de-banho dos homens. (eu)
- Vais? Pois... não resta muita alternativa.. (ela)
Saímos para o corredor e eu espreitei a fresta da porta em frente. Não convinha surpreender um instruendo mais exibicionista que saísse do duche em pelota. Ainda por cima sempre ouvi dizer que os machos fazem concursos de tamanhos, pelo que adivinhava já um pelotão alinhado de régua e piloca em punho e queria poupar a Wonder, desgraçada, de semelhante visão! Só que a sabidona percebeu que eu lhe ocultava algo do outro lado e, num rápido spin fez-me saltar dali para fora, decidida a usar os seus poderes para abrir a porta. Com o que ela não contava era o próprio Creoula a ajudar! No momento em que aplicou a sua força bruta na porta, o barco deciciu balançar para o mesmo lado e a gravidade deu uns pózinhos de perlimpimpim. Resultado: Wonder entrou em pleno vôo na casa-de-banho masculina, conseguindo um impressionante efeito bate-cú e um olhar boquiaberto por parte do rapaz que se barbeava (em tronco nú, aha! eu sabia!) em frente ao espelho. Aqui a Cara-d’Anjo não evitou as gargalhadas que o momento exigia, Wonder que me perdoe.
E depois lá fizemos um belo xixi, com o rapazinho barbeado a vigiar a ocorrência, para que ninguém entrasse a voar e nos surpreendesse.
No momento em que abrimos a porta, o cheiro foi nauseabundo. E veja-se que já tenho cheirado muita coisa, dou garantia segura do calibre de mau cheiro!
- Bem, que pivete! Ganda nojo... (eu)
- Pois, parece que as meninas da faxina hoje não levaram a coisa muito a sério (ela)
Depois de todo um repertório de caretas, lá nos decidimos a dar o passo seguinte e aproximar-nos das retretes. Quando me apercebi, Wonder tinha entrado no compartimento que havia entre as retretes e o duche e saía a rodopiar já com o seu fato de super-heroína (acho que gramava da cena à Clark Kent) e mais que preparada para a batalha, de líquido de limpeza em riste. Surpreendi-me. Ena, que eficácia! E colei num post-it mental: Em caso de crise odorífera, chamar WS. Entretanto já o colei também num post-it real, no frigorífico aqui de casa – espero que ela não se importe, é que dá sempre jeito ter alguém com disponibilidade para dar um jeitinho às casas-de-banho.
Inspirámos fundo e abrimos as portinhas dos cubículos infernais.
.......................
Foi...
..........
......
uma visão.....
.......
.................
como dizer?...
.......
aterradora!
Aquele fundinho de água que costuma ficar lá em baixo e serve fundamentalmente para amplificar o som que o xixi faz ao cair (tshhhhhhh) e avisar aos demais ocupantes do espaço, quando este é público, que ainda não terminámos, um barulhico para as orientais muito constrangedor (não sei se sabem, ficam a saber), bem, dizia eu que aquele que costuma ser um fundinho de água estava, nesse momento, transmutado numa massa negra, de cheiro pestilento, que a cada balanço do barco subia perigosamente de nível. Wonder-Sister desatou a esguichar um desinfectante para dentro da água nojenta e foi puxando o autoclismo repetidamente, a ver se ajudava. Eu imitei, mas tivemos pouco sucesso.
- Não vale a pena, vou fazer xixi à casa-de-banho dos homens. (eu)
- Vais? Pois... não resta muita alternativa.. (ela)
Saímos para o corredor e eu espreitei a fresta da porta em frente. Não convinha surpreender um instruendo mais exibicionista que saísse do duche em pelota. Ainda por cima sempre ouvi dizer que os machos fazem concursos de tamanhos, pelo que adivinhava já um pelotão alinhado de régua e piloca em punho e queria poupar a Wonder, desgraçada, de semelhante visão! Só que a sabidona percebeu que eu lhe ocultava algo do outro lado e, num rápido spin fez-me saltar dali para fora, decidida a usar os seus poderes para abrir a porta. Com o que ela não contava era o próprio Creoula a ajudar! No momento em que aplicou a sua força bruta na porta, o barco deciciu balançar para o mesmo lado e a gravidade deu uns pózinhos de perlimpimpim. Resultado: Wonder entrou em pleno vôo na casa-de-banho masculina, conseguindo um impressionante efeito bate-cú e um olhar boquiaberto por parte do rapaz que se barbeava (em tronco nú, aha! eu sabia!) em frente ao espelho. Aqui a Cara-d’Anjo não evitou as gargalhadas que o momento exigia, Wonder que me perdoe.
E depois lá fizemos um belo xixi, com o rapazinho barbeado a vigiar a ocorrência, para que ninguém entrasse a voar e nos surpreendesse.
18/10/07
gostava de...
Despir os papéis. O Lobo Antunes diz que sim, que os despiu. Invejo-lhe a descontracção, esse modo como se orgulha sem vergonha. Diz que é para a eternidade que escreve... (também, o que é que se faz que não seja para a eternidade? )
Entendo-o. Escreve para a eternidade. Também eu tendo para infinito.
Entendo-o. Escreve para a eternidade. Também eu tendo para infinito.
15/10/07
no céu espelhado - V
Urge apresentar o último elemento do esquadrão “Instruendos Fantásticos”, para que não se diga que há discriminação a pão e vodka (apenas pouco tempo e algumas falhas de criatividade).
PeterPan-de-RayBan não era mau moço. De todos, o instruendo mais dado às artes de bem navegar (embora não lhe escapassem outros prazeres desta vida) e também o mais camarada de seus compinchas marujos. Atento e preocupado com o próximo, houve até quem lhe visse certo dia um avental de cozinha que, em acto de profundo altruísmo, vestira para ajudar um não-companheiro de grupo (instruento-não-fantástico, portanto)! É o que consta…
A ele coubera também a complicadíssima tarefa de reunir os elementos do sexteto de sucesso. Que capacidade de cálculo, que visão!! Qual polvo gigante lançando cinco dos seus tentáculos para agarrar aqueles que lhe pareceram os melhores candidatos a super-heróis do Creoula, ao mesmo tempo que se apoiava a si próprio apenas nos três tentáculos restantes (notem, mais uma vez, o espírito de sacrifício), o homem lá conseguiu reunir um grupo de elite. Modéstia completamente à parte.
Resumindo, para quem já se perdeu: a jogar pela equipa dos machos tivemos Don-Lerpas, o non sense personificado para nos animar dia e noite e PeterPan-de-RayBan, argamassa da estrutura, a fundamental nata do strogonoff. Pela equipa das fêmeas jogou-se com Rapariga-Sussurrante que contribuia com vocábulos relativamente complexos e eloquência em barda, Wonder-Sister que apostava na plasticidade social e poder de mediação, Sininho (a.k.a. IC19) cujos entusiasmo e força atingiam qualquer um que lhe fizesse frente e, finalmente, a tal Cara-d’Anjo, observadora de serviço, treinada desde cedo nas artes da invisibilidade.
E agora pode seguir o baile.
No dia em que a barraca abanou mais à séria, o fadista metaleiro insistiu no dvd dos Metallica, o Cajó enjoou que nem um perú, e a Wonder-Sister entrou em vôo na casa de banho dos homens. Nada mau para um dia só. O fadista – que na verdade não era fadista, apenas lhe chamavam assim – era um mocito pela minha idade, mais para o gordo que para o magro, sempre calado, branquinho de pele e com bochechas rosadas. Assim tipo os habitantes de Mangualde*. Adorava fazer nós em silêncio, dançando suavemente as mãos sobre o cordel. Nada que fizesse prever o aficcionamento pelo rock da pesada. Mas era vê-lo na messe, vidrado no concerto a que dera vida na televisão, dizendo que sim com a cabeça ao som do ritmo. Nada de exaltações, nada de manifestações de grande regozijo. Só uma data de sims ritmados e seguros, quase orgulhosos. E os IF, resistentes, a superar a adversidade sonora!
Agora que falei em nós, lembrei-me de outra coisa: o Cajó sentou-se ao meu lado na aula de nós que o mestre deu (como se pode comprovar nos registos fotográficos que Don-Lerpas gentilmente fez do momento). Quem é que pode adivinhar o que é o senhor dentista passou o tempo todo a murmurar entredentes? Terá sido “oh please, isto é básico”? Não! Lá agora! E depois teve o desplante de, quando a coisa complicou um pouco, começar a olhar de soslaio para os nós do vizinho, um simpático que andava sempre de calções (mesmo a chegar a Lisboa às 3 da manhã com um frio desgraçado!), cheio de energia e que noutra vida fora cientista maluco. E como era muito simpático, o simpático lá lhe ia mostrando os nós sem reservas. Haja pessoas boas!
Eu, por exemplo, não sou completamente má. É só uma veiazita. Aliás, no geral sou bastante compreensiva. E deve ter sido por isso que quando o Cajó, que fingia lavar pratos ao meu lado, começou a ficar cada vez mais calado e a espaçar as suas preciosidades arrogantes (e.g. “é inaceitável que nos ponham a lavar com um fiozinho de água destes!”), me bateu uma certa pena. A embarcação balançava como se aí viesse o fim do mundo e a loiça que não era posta logo dentro do lava-loiças despencava por todos os lados. O Cajó já só suspirava de vez em quando e o Charréu olhava para ele rebolando os olhos com justa impaciência. Então a criatura arranjou forças para dizer: “Ai, parece que tou a ficar maldisposto, daqui a nada é ala para a camarata!” E ainda que isto fosse um aviso de que me iria abandonar a qualquer momento, que eu não sou parva, decidi dar uma de Madre Teresa (ou de Wonder Sister, que também se aplica) e oferecer-lhe os serviços dos meus vomidrines. Oh, os olhos até lhe brilharam! Claro que a partir daí passou a chagar-me para lhe dar comprimidos. Fui dealer por um dia. Mas uma triste dealer, sem qualquer tipo de proveito.
Concentremo-nos ainda no balanço. É forçoso imaginar tudo isto com as paredes a andarem de cá para lá e o pessoal a entalar as cervejas entre as pernas para não escorregarem da mesa. Ao som gritante dos Metallica. Tá? Então, nesse ambiente, eu e a Wonder decidimos arriscar uma ida à casa de banho. Errado. Grave.
(estou noveleira, fica o resto para o próximo episódio...)
* uma das minhas terras natais.
PeterPan-de-RayBan não era mau moço. De todos, o instruendo mais dado às artes de bem navegar (embora não lhe escapassem outros prazeres desta vida) e também o mais camarada de seus compinchas marujos. Atento e preocupado com o próximo, houve até quem lhe visse certo dia um avental de cozinha que, em acto de profundo altruísmo, vestira para ajudar um não-companheiro de grupo (instruento-não-fantástico, portanto)! É o que consta…
A ele coubera também a complicadíssima tarefa de reunir os elementos do sexteto de sucesso. Que capacidade de cálculo, que visão!! Qual polvo gigante lançando cinco dos seus tentáculos para agarrar aqueles que lhe pareceram os melhores candidatos a super-heróis do Creoula, ao mesmo tempo que se apoiava a si próprio apenas nos três tentáculos restantes (notem, mais uma vez, o espírito de sacrifício), o homem lá conseguiu reunir um grupo de elite. Modéstia completamente à parte.
Resumindo, para quem já se perdeu: a jogar pela equipa dos machos tivemos Don-Lerpas, o non sense personificado para nos animar dia e noite e PeterPan-de-RayBan, argamassa da estrutura, a fundamental nata do strogonoff. Pela equipa das fêmeas jogou-se com Rapariga-Sussurrante que contribuia com vocábulos relativamente complexos e eloquência em barda, Wonder-Sister que apostava na plasticidade social e poder de mediação, Sininho (a.k.a. IC19) cujos entusiasmo e força atingiam qualquer um que lhe fizesse frente e, finalmente, a tal Cara-d’Anjo, observadora de serviço, treinada desde cedo nas artes da invisibilidade.
E agora pode seguir o baile.
No dia em que a barraca abanou mais à séria, o fadista metaleiro insistiu no dvd dos Metallica, o Cajó enjoou que nem um perú, e a Wonder-Sister entrou em vôo na casa de banho dos homens. Nada mau para um dia só. O fadista – que na verdade não era fadista, apenas lhe chamavam assim – era um mocito pela minha idade, mais para o gordo que para o magro, sempre calado, branquinho de pele e com bochechas rosadas. Assim tipo os habitantes de Mangualde*. Adorava fazer nós em silêncio, dançando suavemente as mãos sobre o cordel. Nada que fizesse prever o aficcionamento pelo rock da pesada. Mas era vê-lo na messe, vidrado no concerto a que dera vida na televisão, dizendo que sim com a cabeça ao som do ritmo. Nada de exaltações, nada de manifestações de grande regozijo. Só uma data de sims ritmados e seguros, quase orgulhosos. E os IF, resistentes, a superar a adversidade sonora!
Agora que falei em nós, lembrei-me de outra coisa: o Cajó sentou-se ao meu lado na aula de nós que o mestre deu (como se pode comprovar nos registos fotográficos que Don-Lerpas gentilmente fez do momento). Quem é que pode adivinhar o que é o senhor dentista passou o tempo todo a murmurar entredentes? Terá sido “oh please, isto é básico”? Não! Lá agora! E depois teve o desplante de, quando a coisa complicou um pouco, começar a olhar de soslaio para os nós do vizinho, um simpático que andava sempre de calções (mesmo a chegar a Lisboa às 3 da manhã com um frio desgraçado!), cheio de energia e que noutra vida fora cientista maluco. E como era muito simpático, o simpático lá lhe ia mostrando os nós sem reservas. Haja pessoas boas!
Eu, por exemplo, não sou completamente má. É só uma veiazita. Aliás, no geral sou bastante compreensiva. E deve ter sido por isso que quando o Cajó, que fingia lavar pratos ao meu lado, começou a ficar cada vez mais calado e a espaçar as suas preciosidades arrogantes (e.g. “é inaceitável que nos ponham a lavar com um fiozinho de água destes!”), me bateu uma certa pena. A embarcação balançava como se aí viesse o fim do mundo e a loiça que não era posta logo dentro do lava-loiças despencava por todos os lados. O Cajó já só suspirava de vez em quando e o Charréu olhava para ele rebolando os olhos com justa impaciência. Então a criatura arranjou forças para dizer: “Ai, parece que tou a ficar maldisposto, daqui a nada é ala para a camarata!” E ainda que isto fosse um aviso de que me iria abandonar a qualquer momento, que eu não sou parva, decidi dar uma de Madre Teresa (ou de Wonder Sister, que também se aplica) e oferecer-lhe os serviços dos meus vomidrines. Oh, os olhos até lhe brilharam! Claro que a partir daí passou a chagar-me para lhe dar comprimidos. Fui dealer por um dia. Mas uma triste dealer, sem qualquer tipo de proveito.
Concentremo-nos ainda no balanço. É forçoso imaginar tudo isto com as paredes a andarem de cá para lá e o pessoal a entalar as cervejas entre as pernas para não escorregarem da mesa. Ao som gritante dos Metallica. Tá? Então, nesse ambiente, eu e a Wonder decidimos arriscar uma ida à casa de banho. Errado. Grave.
(estou noveleira, fica o resto para o próximo episódio...)
* uma das minhas terras natais.
mas que grande bandalheira vem a ser esta???
Meus caros, acabei de chegar.
Acabei de chegar e antes de mais postar não pude evitar ler todos os vossos comentários! Muito bem... Folgo em ver que já mantêm diálogos independentes dos post que eu deixo. É a anarquia!!
O episódio contado por i35 era um dos que fazia parte da minha listinha mental, agora terei que ponderar a sua escrita (ficando o inominável com ainda menos protagonismo, ó grande desgraça!).
E parece que anda por aqui um comentador a querer sacar informações comprometedoras! Mas IF que é IF só compromete Cajó. Eu, pelo menos, foi o juramento que fiz! :p
Acabei de chegar e antes de mais postar não pude evitar ler todos os vossos comentários! Muito bem... Folgo em ver que já mantêm diálogos independentes dos post que eu deixo. É a anarquia!!
O episódio contado por i35 era um dos que fazia parte da minha listinha mental, agora terei que ponderar a sua escrita (ficando o inominável com ainda menos protagonismo, ó grande desgraça!).
E parece que anda por aqui um comentador a querer sacar informações comprometedoras! Mas IF que é IF só compromete Cajó. Eu, pelo menos, foi o juramento que fiz! :p
11/10/07
fico em banho-maria
Sei que há alminhas sedentas de continuação para as histórias do Creoula. Só que entrei em estado de pânico ao perceber que tenho MESMO que acabar de escrever uma certa tese nas próximas semanas.
Amanhã vou-me evadir para parte quase incerta durante uns dias, a ver se me concentro. Como não terei direito a internet nem a televisão (resta saber se já há frigorífico!), estou confiante de que funcionará. Prometo tentar escrever qualquer coisinha mais interessante nos intervalos, mas não o posso garantir. I'm very sorry my friends...
Como diz a SemNexo, é o efeito corda-na-garganta a fazer-se sentir! :(((
Amanhã vou-me evadir para parte quase incerta durante uns dias, a ver se me concentro. Como não terei direito a internet nem a televisão (resta saber se já há frigorífico!), estou confiante de que funcionará. Prometo tentar escrever qualquer coisinha mais interessante nos intervalos, mas não o posso garantir. I'm very sorry my friends...
Como diz a SemNexo, é o efeito corda-na-garganta a fazer-se sentir! :(((
09/10/07
no céu espelhado - IV
A bordo de um navio, quem tem chocolate é rei. Os recursos são escassos e o mar é grande demais para se dar um saltinho à loja de conveniência quando a gula aperta. Portanto, o bom senso obriga a uma certa panelinha, apelando sem dúvida a atitudes mesquinhas e egoístas aquando do consumo do referido bem.
Certa noite, em amena reunião chocolateira (um euro por cada palavra inventada e já poderia pagar viagens no Creoula aos meus leitores mais fiéis), um vulto surpreende Rapariga-Sussurrante, Wonder-Sister e IC19. Esta última de imediato esconde o pacote de m&m’s atrás das costas, pendurando até a mão do lado de fora do barco, a ver se não dá cana. As três entreolham-se e o clima é tenso. O silêncio só não é cortado com os esperados “gri-gri-gri” porque, até prova em contrário, no mar não há grilos.
- Boa noite – diz a voz masculina – Então, vieram apanhar ar?
O comandante! Homem de conhecido faro e aspecto amigável materializava-se, de repente, na tentativa de levar consigo uma bolinha de chocolate e amendoim. Assim, sem mais nem menos! IC19 manteve firme a posição. Daria a vida para ocultar as preciosas guloseimas, andaria na prancha sobre tubarões famintos ou subiria à gávea se tal fosse necessário.
- Pois, viemos cá acima, está uma noite tão bonita... – decide responder a Wonder-Sister, mordendo a vontade de o despachar dali para fora. Não pode fazer mais nada. Há, apesar de tudo, uma questão hierárquica impeditiva. Reza então mentalmente à sua santa predilecta, a dos aflitinhos asmáticos (não perguntem porquê, cada um com a sua tara), para que as desenvencilhe de tamanho sufoco. Só que a Rapariga-Sussurrante, que afinal de contas se juntara à reunião um pouco mais tarde e não se apercebera de que havia somente TRÊS m&m’s para partilhar, folga um pouco a defesa e começa a dar trela à conversa do oficial. As outras duas vão ficando nervosas, principalmente IC19, cuja mão começa a tornar-se dormente devido à posição de pedra.
Eu, moi même, chego já a conversa vai no fim. Estranho. Sabia virem ao chocolate nocturno e não esperava encontrar o comandante inserido no grupo. Ainda com os olhos mal habituados ao escuro, procuro a côr amarela do pacote de m&m’s. Não a vejo em parte alguma... Dando largas ao meu próprio egoísmo (que o Don-Lerpas insiste ser do tamanho do mundo), desejo que o comandante não se tenha apercebido do motivo da reunião e fanado aquelas preciosas bolinhas coloridas.
Por fim o homem vai-se embora. Olho para elas que, acto contínuo, desatam a rir. IC19 ainda está nervosa:
- Ó Rapariga-Sussurrante pá, nunca mais acabavas de dar trela ao gajo!!...
Diga-se que, a partir dessa noite, a IC19 não voltou a ficar tranquila. O comandante, segundo a própria, perseguia-a constantemente. Queria os seus m&m’s! Escondido atrás dos dóris, pendurado num mastro, disfarçado de ajudante de cozinha ou, até, agachado atrás de uma moita, lá se encontrava o digníssimo. À coca...
Certa noite, em amena reunião chocolateira (um euro por cada palavra inventada e já poderia pagar viagens no Creoula aos meus leitores mais fiéis), um vulto surpreende Rapariga-Sussurrante, Wonder-Sister e IC19. Esta última de imediato esconde o pacote de m&m’s atrás das costas, pendurando até a mão do lado de fora do barco, a ver se não dá cana. As três entreolham-se e o clima é tenso. O silêncio só não é cortado com os esperados “gri-gri-gri” porque, até prova em contrário, no mar não há grilos.
- Boa noite – diz a voz masculina – Então, vieram apanhar ar?
O comandante! Homem de conhecido faro e aspecto amigável materializava-se, de repente, na tentativa de levar consigo uma bolinha de chocolate e amendoim. Assim, sem mais nem menos! IC19 manteve firme a posição. Daria a vida para ocultar as preciosas guloseimas, andaria na prancha sobre tubarões famintos ou subiria à gávea se tal fosse necessário.
- Pois, viemos cá acima, está uma noite tão bonita... – decide responder a Wonder-Sister, mordendo a vontade de o despachar dali para fora. Não pode fazer mais nada. Há, apesar de tudo, uma questão hierárquica impeditiva. Reza então mentalmente à sua santa predilecta, a dos aflitinhos asmáticos (não perguntem porquê, cada um com a sua tara), para que as desenvencilhe de tamanho sufoco. Só que a Rapariga-Sussurrante, que afinal de contas se juntara à reunião um pouco mais tarde e não se apercebera de que havia somente TRÊS m&m’s para partilhar, folga um pouco a defesa e começa a dar trela à conversa do oficial. As outras duas vão ficando nervosas, principalmente IC19, cuja mão começa a tornar-se dormente devido à posição de pedra.
Eu, moi même, chego já a conversa vai no fim. Estranho. Sabia virem ao chocolate nocturno e não esperava encontrar o comandante inserido no grupo. Ainda com os olhos mal habituados ao escuro, procuro a côr amarela do pacote de m&m’s. Não a vejo em parte alguma... Dando largas ao meu próprio egoísmo (que o Don-Lerpas insiste ser do tamanho do mundo), desejo que o comandante não se tenha apercebido do motivo da reunião e fanado aquelas preciosas bolinhas coloridas.
Por fim o homem vai-se embora. Olho para elas que, acto contínuo, desatam a rir. IC19 ainda está nervosa:
- Ó Rapariga-Sussurrante pá, nunca mais acabavas de dar trela ao gajo!!...
Diga-se que, a partir dessa noite, a IC19 não voltou a ficar tranquila. O comandante, segundo a própria, perseguia-a constantemente. Queria os seus m&m’s! Escondido atrás dos dóris, pendurado num mastro, disfarçado de ajudante de cozinha ou, até, agachado atrás de uma moita, lá se encontrava o digníssimo. À coca...
jantar fora
Oito e meia no Assuka para grande estreia de S. na comida japonesa! Pronto, e também porque a Ana Q came to town e sugeriu o encontro para matar algumas saudades que já vinham acumulando. Estávamos as duas, a ainise, o SemNome e a dream (eh lá, não é que já todos temos nomes blogueiros?!).
Gostei da miso, gostei de todos os rolinhos, gostei do peixe crú e até gostei do gengibre! Cozinha aprovadíssima e a repetir. Para além disso, calhou-me um copo de chá verde zen, que ditava mandamentos para levar uma vida mais saudável e feliz. Less anger, more laughter – less beer, more tea – less greed, more giving… Coisa mai linda! Alguém sabia que eu vinha aí e deu-se ao trabalho de preparar essa pequena graça, bem-hajam os japoneses.
Mas bonito, bonito foi o momento com que a ainise nos presenteou à saída. Senhores, é que existem caretas e caretas. Caretas e caretas! E a transfiguração que observei foi digna de nota. Diga o que disser a rapariga, suspeito que, lá no fundo, há um passinho evolutivo qualquer que lhe está em falta. Mas que não se preocupe, todos adoramos chimpanzés... :)))
Gostei da miso, gostei de todos os rolinhos, gostei do peixe crú e até gostei do gengibre! Cozinha aprovadíssima e a repetir. Para além disso, calhou-me um copo de chá verde zen, que ditava mandamentos para levar uma vida mais saudável e feliz. Less anger, more laughter – less beer, more tea – less greed, more giving… Coisa mai linda! Alguém sabia que eu vinha aí e deu-se ao trabalho de preparar essa pequena graça, bem-hajam os japoneses.
Mas bonito, bonito foi o momento com que a ainise nos presenteou à saída. Senhores, é que existem caretas e caretas. Caretas e caretas! E a transfiguração que observei foi digna de nota. Diga o que disser a rapariga, suspeito que, lá no fundo, há um passinho evolutivo qualquer que lhe está em falta. Mas que não se preocupe, todos adoramos chimpanzés... :)))
08/10/07
noddy
Outro dia fui para a minha ocupação nocturna habitual (não, não é essa, a outra!). Lá existe uma criatura que, sem ironia, considero particularmente adorável. Tem quase seis anos, um feitio lixado e, por acaso, tinha acabado de lhe cair o primeiro dente, o que foi engraçado mas não vem ao caso.
Às tantas no canal panda surge o Noddy, bonequinho com o qual me familiarizei há poucos anos, não sei se conhecem… O miúdo vem então disparado da cozinha, direito à televisão. Com os olhos fixos no écran senta-se ao meu lado e murmura “abram alas pró noddy, noddy!, cum guizo nos cornos a tocar”. Claro que, notando os meus olhos esbugalhados, se vira logo para mim em desafio e articula perfeitamente o que se segue:
“abram alas pró noddy, noddy!, cum guizo nos cornos a tocar
abram alas pró noddy, noddy!, já me tá a enervar
abram alas pró noddy, noddy!, a gente grita: viva!
o noddy foi pá cona da tia”
Tento não reagir para não lhe dar importância, mas ele não terminou: “cona é o pipi das miúdas” acrescenta secamente, quase maçado, como se me fizesse um favor na explicação. E pronto!
É surreal o andamento que as crianças têm.
Às tantas no canal panda surge o Noddy, bonequinho com o qual me familiarizei há poucos anos, não sei se conhecem… O miúdo vem então disparado da cozinha, direito à televisão. Com os olhos fixos no écran senta-se ao meu lado e murmura “abram alas pró noddy, noddy!, cum guizo nos cornos a tocar”. Claro que, notando os meus olhos esbugalhados, se vira logo para mim em desafio e articula perfeitamente o que se segue:
“abram alas pró noddy, noddy!, cum guizo nos cornos a tocar
abram alas pró noddy, noddy!, já me tá a enervar
abram alas pró noddy, noddy!, a gente grita: viva!
o noddy foi pá cona da tia”
Tento não reagir para não lhe dar importância, mas ele não terminou: “cona é o pipi das miúdas” acrescenta secamente, quase maçado, como se me fizesse um favor na explicação. E pronto!
É surreal o andamento que as crianças têm.
no céu espelhado - III
Como muitos sabem, eu não como carne. Depois de vinte anos a revolver bolas secas de frango, de porco, de vitela, de pato, nas bochechas, decidi abandonar o hábito. E já não era sem tempo! O engraçado é que marujo que é marujo, marujo do mar, à séria, marujo que iça velas e respeita hierarquias, só gosta de carne. Parece que não é por estar no mar que se come peixe, a não ser que estritamente necessário. Mas, Deusa seja louvada, o facto de ter cinquenta civis a bordo é visto como tal necessidade e os pratos vão variando entre a carne e o peixe.
Assim, parte do ritual do dia-a-dia consistia em ir “lá acima” lembrar aos cozinheiros que, à hora da carne, dessem o jeitinho de não me pôr a engulipar bifinhos sangrentos. Já imaginaram coisa mais sem sentido do que comer bifes no mar? Eu não.
Agora bom bom, foi passar cinco dias a comer atum. Ui! Eu ainda atirava para o ar, assim à maluca “epá, façam-me qualquer coisa tipo uns ovinhos mexidos…” Mas eles, simplesmente, achavam que eu tinha cara de comedora de atum. É válido, sim senhor. Há quem tenha cara de cú, eu já me contento em passar por voraz abridora de latas e atunodependente. Ora vejamos, atum até é algo que aprecio. O problema é, sei lá, atum com batatas fritas! Vão por mim, não é um pitéu muito apetitoso, escusam de ir a correr experimentar em casa.
O marujo de serviço às refeições era o Charréu, alentejano mal-encarado que revirava os olhos mal eu aparecia com cara de “pede o meu atum, sff”. Refilava e suspirava, acho que fazia parte do número, mas era um gajo porreiro. No último dia, o fatídico em que me calhou lavar a loiça com o Cajó, até se apiedou de mim. “Fogo, não acredito que tenho aqui este gajo outra vez, tá bonito tá” foi a primeira exclamação que fez, assim que o viu chegar. E olhem que eu estava bem caladinha no meu canto! Claro que a observação bastou para que me ficasse uma memória muito positiva do senhor Charréu.
Quando havia vagar, lia-se um pouco no convés. Liam os outros camaradas (desculpa mãe, mas no mar diz-se assim, sou obrigada a manter a terminologia ainda que te possa provocar algum arrepio mais patológico), eu teimei em levar apenas artigos sobre a boa mesa dos passeriformes e nem uma vez tive cabeça para lhes lançar os olhos. Ah, mentira, também levei a Outdoor Photographer e até me entreteve uma tarde.
Notei que Don Lerpas era muito apreciador de sua leitura, volta não volta lá estava ele. Outros membros do grupo também se balançavam numa assimilação conjunta de cultura e, por vezes, desenvolviam-se agradáveis sessões de esparramanço ao sol a ler (ou a dormir). Os sacos-cama serviam de almofada, ideia original da Rapariga-Sussurrante que rapidamente se espalhou aos demais. Mais ou menos como a macaca Imo, quando aprendeu a atirar as batatas ao mar para lhes retirar a areia e logo os juvenis a começaram a imitar! As fêmeas são sempre desenrascadas. :)
Assim, parte do ritual do dia-a-dia consistia em ir “lá acima” lembrar aos cozinheiros que, à hora da carne, dessem o jeitinho de não me pôr a engulipar bifinhos sangrentos. Já imaginaram coisa mais sem sentido do que comer bifes no mar? Eu não.
Agora bom bom, foi passar cinco dias a comer atum. Ui! Eu ainda atirava para o ar, assim à maluca “epá, façam-me qualquer coisa tipo uns ovinhos mexidos…” Mas eles, simplesmente, achavam que eu tinha cara de comedora de atum. É válido, sim senhor. Há quem tenha cara de cú, eu já me contento em passar por voraz abridora de latas e atunodependente. Ora vejamos, atum até é algo que aprecio. O problema é, sei lá, atum com batatas fritas! Vão por mim, não é um pitéu muito apetitoso, escusam de ir a correr experimentar em casa.
O marujo de serviço às refeições era o Charréu, alentejano mal-encarado que revirava os olhos mal eu aparecia com cara de “pede o meu atum, sff”. Refilava e suspirava, acho que fazia parte do número, mas era um gajo porreiro. No último dia, o fatídico em que me calhou lavar a loiça com o Cajó, até se apiedou de mim. “Fogo, não acredito que tenho aqui este gajo outra vez, tá bonito tá” foi a primeira exclamação que fez, assim que o viu chegar. E olhem que eu estava bem caladinha no meu canto! Claro que a observação bastou para que me ficasse uma memória muito positiva do senhor Charréu.
Quando havia vagar, lia-se um pouco no convés. Liam os outros camaradas (desculpa mãe, mas no mar diz-se assim, sou obrigada a manter a terminologia ainda que te possa provocar algum arrepio mais patológico), eu teimei em levar apenas artigos sobre a boa mesa dos passeriformes e nem uma vez tive cabeça para lhes lançar os olhos. Ah, mentira, também levei a Outdoor Photographer e até me entreteve uma tarde.
Notei que Don Lerpas era muito apreciador de sua leitura, volta não volta lá estava ele. Outros membros do grupo também se balançavam numa assimilação conjunta de cultura e, por vezes, desenvolviam-se agradáveis sessões de esparramanço ao sol a ler (ou a dormir). Os sacos-cama serviam de almofada, ideia original da Rapariga-Sussurrante que rapidamente se espalhou aos demais. Mais ou menos como a macaca Imo, quando aprendeu a atirar as batatas ao mar para lhes retirar a areia e logo os juvenis a começaram a imitar! As fêmeas são sempre desenrascadas. :)
07/10/07
a quem me entender
Comprimento no eixo dos xx e peso no eixo dos yy. Regressão linear limpinha, p<0.001. Guardar resíduos. Anova aos resíduos... pum pum, pum pum, pum pum (é o coração a bater ansioso)... output... Boa!!! Em Monsanto as penas são significativamente mais densas. Segunda Anova... pum pum, pum pum, pum pum... segundo output... YEAAAHHH!!!!! Os donos dos territórios têm penas mais densas que os floaters!
A vida é bela..... :)))
A vida é bela..... :)))
06/10/07
surpresas
05/10/07
no céu espelhado - II
O dia das casas-de-banho acabou por me passar de raspão. É que melhor que fazer parte de um grupo relativamente igualitário, só mesmo ter por chefe um elemento pleno de actividade e vontade de desentupir retretes! Alá é grande. A Big Boss tomou em mãos esse mal-amado encargo e delegou aos subordinados tarefas mais tragáveis, como a limpeza das cobertas e da messe. Isto, lá está!, porque sou gaja, que os machos tiveram mesmo de lavar o seu próprio chavascal - e divertiram-se à brava com a mangueira, que eu bem vi o Lerpas fazer tiro a qualquer alvo móvel que passasse no corredor...
Mas, antes de mais acrescentar, importa apresentar uma personagem de valor.
Cajó desde cedo se fez notar – pelo menos por mim. Estava-se então no primeiro dia e acabávamos de iniciar a primeiríssima faina de mastros, momento algo atabalhoado devido à falta de prática e de organização. Imagine-se a coisa como um pequeno formigueiro em que as obreiras sabem que têm de trabalhar mas, por qualquer motivo, perderam a química que as organiza. Todas elas buscam algo que fazer e atiram-se às funções vagas criando algum caos. E no meio desse caos imaginem agora uma formiga de panamá enterrado até aos olhos, sandália grossa à turista e meia por baixo (também muito à turista) e câmara de filmar em punho. Imaginem que essa formiga deambulava no meio do atarefanço das outras com passinhos cuidadosos e olhar de espectador, levantando e baixando a câmara. Continuemos o exercício de imaginação: e se, a páginas tantas, ela virar a câmara para a sua própria cara, torcendo também o écran para se poder ver e começar a relatar o que se passa à volta num misto de excitação à David Attenborough e de pasmo de visitante de zoo ante a esperteza dos macacos? “Aqui estamos verdadeiramente DENTRO de uma faina marinha, veja-se a azáfama dos recém-chegados”. Não fosse a superioridade que o nariz empinado lhe exibia, até seria uma personagem engraçada. Mas não. A coisa prometia.
Nessa noite calhou ficarmos no mesmo grupo de quarto à ponte (quer dizer, estávamos de turno na ponte, o sítio onde se orienta a navegação). Éramos umas seis pessoas, Cajó incluído, numa cabine onde o oficial mostrava os aparelhos de GPS e de radar e ensinava a marcar pontos geográficos numa carta. A criatura pairava por ali numa atitude senhorial, cheirava os cantos com soberba como se aquilo que lhe ensinavam fosse óbvio e, às tantas, veio encostar-se a mim enquanto eu marcava os tais pontos, insistindo para que o fizesse de outro modo. Irritadíssimo. “Isso assim é uma parvoíce, demoras muito mais tempo, ora põe aqui o compasso!” E tentava tirar-me o instrumento das mãos à força. Eu decidi lançar-lhe o olhar nº37 de “baza daqui já, não me chateies, faço como eu quiser” e ele amansou um bocado, embora se mantivesse por ali a bufar e a encolher os ombros. Foi a partir daí que o detestei. Umas horas mais tarde viria a sentar-se na cadeira do comandante com toda a lata do Universo, ante o olhar estupefacto de um marinheiro que só lhe perguntava “está confortável aí?”. Ele assentia, não sei se fingindo não perceber a ironia da pergunta, se de facto padecendo de dificuldades de interpretação das expressões faciais. Quando lhe disse que se calhar não era suposto ele ocupar aquela cadeira, perguntou entre o indignado e o apanhado em falha “porque é que não havia de poder??”. E eu abstive-me de comentar mais. Outra meia-hora e viria a alimentar um diálogo tenso com o oficial de turno por causa de uma colega ausente. A senhora em causa retirara-se para a camarata sem avisar alminha e o oficial dizia-nos que no dia seguinte falaria com ela, ao que o Cajó se exaltou (era sua amiga, a tal) e exclamou num repente: “não vai fazer nada porque eu passo-lhe um atestado a dizer que ela estava doente!”. Facilmente se imagina a piada que o oficial não achou ao comentário... Respondeu-lhe, à militar, que ele bem podia escrever que doíam os dentes à senhora (porque era dentista), que isso não a impediria de trabalhar porque não se faz nada com os dentes. Então deu uma travadinha ao Cajó. Encheu o peito, emproou-se e disse: “Nesse caso eu vou para baixo também, faltamos os dois, e eu vou escrever um relatório não-sei-quê sobre isto”. Estando já fora da cabine, estendeu a mão para o inteiror e disse “Eng. Ricardo, boa noite” com o ar mais solene que conseguiu. Mas o oficial não se mexeu, olhou-o com tal estupefacção e dureza que eu pensei ir assistir a uma cena mesmo desagradável. Um segundo, dois segundos, três... Então Cajó, inesperadamente, soltou uma gargalhada ruidosa cheia de exagero. “Estou-me a meter consigo!”. O oficial não se ria e eu continuava a pensar isto vai mesmo acabar mal. Olhávamos todos uns para os outros, a desejar que o bicho desaparecesse de uma vez. Ninguém se riu, mas acabou por desconversar-se e fingir que nada tinha acontecido. A personagem teria que passar a ser ignorada.
Nessa noite dormi quatro horas. Pela manhã a cabeça estava vazia e tudo aquilo que me diziam fazia ricochete. O sol de chapa também não ajudava e o ócio das horas livres sem perspectiva de ocupação acabou por me apontar a direcção evidente: cama. Foi só subir as três etapas e deixar cair a cabeça (que parecia pesar uma tonelada) e, em dois segundos, estava profundamente a dormir. Acordei com um simpático no altifalante “guarnição e instruendos, faina de mastros prevista para as duas horas”. Sim, sim, já vai. Voltei a acordar com a cabecinha da IC19 a espreitar no meio do cortinado: “pssst, há faina de mastros agora”. E eu “vou já”. E acabei por ir, só que passada hora e meia, já tudo bem içado e o pessoal refastelado. :)
Mas, antes de mais acrescentar, importa apresentar uma personagem de valor.
Cajó desde cedo se fez notar – pelo menos por mim. Estava-se então no primeiro dia e acabávamos de iniciar a primeiríssima faina de mastros, momento algo atabalhoado devido à falta de prática e de organização. Imagine-se a coisa como um pequeno formigueiro em que as obreiras sabem que têm de trabalhar mas, por qualquer motivo, perderam a química que as organiza. Todas elas buscam algo que fazer e atiram-se às funções vagas criando algum caos. E no meio desse caos imaginem agora uma formiga de panamá enterrado até aos olhos, sandália grossa à turista e meia por baixo (também muito à turista) e câmara de filmar em punho. Imaginem que essa formiga deambulava no meio do atarefanço das outras com passinhos cuidadosos e olhar de espectador, levantando e baixando a câmara. Continuemos o exercício de imaginação: e se, a páginas tantas, ela virar a câmara para a sua própria cara, torcendo também o écran para se poder ver e começar a relatar o que se passa à volta num misto de excitação à David Attenborough e de pasmo de visitante de zoo ante a esperteza dos macacos? “Aqui estamos verdadeiramente DENTRO de uma faina marinha, veja-se a azáfama dos recém-chegados”. Não fosse a superioridade que o nariz empinado lhe exibia, até seria uma personagem engraçada. Mas não. A coisa prometia.
Nessa noite calhou ficarmos no mesmo grupo de quarto à ponte (quer dizer, estávamos de turno na ponte, o sítio onde se orienta a navegação). Éramos umas seis pessoas, Cajó incluído, numa cabine onde o oficial mostrava os aparelhos de GPS e de radar e ensinava a marcar pontos geográficos numa carta. A criatura pairava por ali numa atitude senhorial, cheirava os cantos com soberba como se aquilo que lhe ensinavam fosse óbvio e, às tantas, veio encostar-se a mim enquanto eu marcava os tais pontos, insistindo para que o fizesse de outro modo. Irritadíssimo. “Isso assim é uma parvoíce, demoras muito mais tempo, ora põe aqui o compasso!” E tentava tirar-me o instrumento das mãos à força. Eu decidi lançar-lhe o olhar nº37 de “baza daqui já, não me chateies, faço como eu quiser” e ele amansou um bocado, embora se mantivesse por ali a bufar e a encolher os ombros. Foi a partir daí que o detestei. Umas horas mais tarde viria a sentar-se na cadeira do comandante com toda a lata do Universo, ante o olhar estupefacto de um marinheiro que só lhe perguntava “está confortável aí?”. Ele assentia, não sei se fingindo não perceber a ironia da pergunta, se de facto padecendo de dificuldades de interpretação das expressões faciais. Quando lhe disse que se calhar não era suposto ele ocupar aquela cadeira, perguntou entre o indignado e o apanhado em falha “porque é que não havia de poder??”. E eu abstive-me de comentar mais. Outra meia-hora e viria a alimentar um diálogo tenso com o oficial de turno por causa de uma colega ausente. A senhora em causa retirara-se para a camarata sem avisar alminha e o oficial dizia-nos que no dia seguinte falaria com ela, ao que o Cajó se exaltou (era sua amiga, a tal) e exclamou num repente: “não vai fazer nada porque eu passo-lhe um atestado a dizer que ela estava doente!”. Facilmente se imagina a piada que o oficial não achou ao comentário... Respondeu-lhe, à militar, que ele bem podia escrever que doíam os dentes à senhora (porque era dentista), que isso não a impediria de trabalhar porque não se faz nada com os dentes. Então deu uma travadinha ao Cajó. Encheu o peito, emproou-se e disse: “Nesse caso eu vou para baixo também, faltamos os dois, e eu vou escrever um relatório não-sei-quê sobre isto”. Estando já fora da cabine, estendeu a mão para o inteiror e disse “Eng. Ricardo, boa noite” com o ar mais solene que conseguiu. Mas o oficial não se mexeu, olhou-o com tal estupefacção e dureza que eu pensei ir assistir a uma cena mesmo desagradável. Um segundo, dois segundos, três... Então Cajó, inesperadamente, soltou uma gargalhada ruidosa cheia de exagero. “Estou-me a meter consigo!”. O oficial não se ria e eu continuava a pensar isto vai mesmo acabar mal. Olhávamos todos uns para os outros, a desejar que o bicho desaparecesse de uma vez. Ninguém se riu, mas acabou por desconversar-se e fingir que nada tinha acontecido. A personagem teria que passar a ser ignorada.
Nessa noite dormi quatro horas. Pela manhã a cabeça estava vazia e tudo aquilo que me diziam fazia ricochete. O sol de chapa também não ajudava e o ócio das horas livres sem perspectiva de ocupação acabou por me apontar a direcção evidente: cama. Foi só subir as três etapas e deixar cair a cabeça (que parecia pesar uma tonelada) e, em dois segundos, estava profundamente a dormir. Acordei com um simpático no altifalante “guarnição e instruendos, faina de mastros prevista para as duas horas”. Sim, sim, já vai. Voltei a acordar com a cabecinha da IC19 a espreitar no meio do cortinado: “pssst, há faina de mastros agora”. E eu “vou já”. E acabei por ir, só que passada hora e meia, já tudo bem içado e o pessoal refastelado. :)
ser ou estar
Não gosto muito de condições. Eu é mais estados. Prefiro dizer que se está do que se é, prefiro considerar a mudança, dar esse justo benefício às coisas e às pessoas. Estou contente, nem sempre o sou. Estou com fome, não sou esfomeada. Os ingleses parecem não sabê-lo, mas assim é. Estou magra, gorda, amável, intratável, sensível, desajeitada, ausente, inquieta... Tantas coisas que se está, que se vai estando ao longo da vida! Felizmente nada é definitivo. Veja-se este bocadinho que roubei ao Alexandre O’Neill, amigalhaço das curvas:
“Os Convencidos da Vida:
Todos os dias os encontro. Evito-os. Às vezes sou obrigado a escutá-los, a dialogar com eles. Já não me confrangem. Contam-me vitórias. Querem vencer, querem, convencidos, convencer. Vençam lá, à vontade. Sobretudo, vençam sem me chatear. Mas também os aturo por escrito. No livro, no jornal. Romancistas, poetas, ensaístas, críticos (de cinema, meu Deus, de cinema!). Será que voltaram os polígrafos? Voltaram, pois, e em força. Convencidos da vida há-os, afinal, por toda a parte, em todos (e por todos) os meios. Eles estão convictos da sua excelência, da excelência das suas obras e manobras (as obras justificam as manobras), de que podem ser, se ainda não são, os melhores, os mais em vista. Praticam, uns com os outros, nada de genuinamente indecente: apenas um espelhismo lisonjeador.”
Estas foram dessas linhas que se lê em perfeito entendimento com o autor. Consigo ver os meus próprios convencidos desfilar na passadeira da imaginação felizes da vida, emproados nas suas vestimentas, moldados sem folga às suas conveniências e vejo-os, depois, acenar à multidão. Vejo-os perguntar sem querer saber e olhar sem querer ver. Já os detestei, já os desprezei, já os achei risíveis. Mas agora, não sei porquê, dão-me pena. Entristece-me o que lhes passa ao lado e, de certo modo, frustra-me não ser capaz de lhes explicar a magia da descoberta do outro. O outro, este aqui ao lado que não é como nós, que traz consigo vivências desconhecidas e nos pode fazer viajar. Este, que é tão maravilhoso ao ponto de se partilhar connosco, de dar! Somos nós os sortudos por receber.
Mas a que propósito vem isto? Primeiro as condições e os estados, depois os convencidos??
Isto a propósito de eu fazer um esforço por não encaixotar as pessoas e procurar alguma humildade nos juízos que faço. Prefiro estados, é verdade. Mas às vezes resvala-me um pé para as condições, sem sequer o notar. Os convencidos são só um exemplo. A moral da história é que todos temos dias maus, talvez semanas, ou mesmo meses. Anos? É possível... Mas, num determinado momento, somos uma bolinha de condições juntas. O convencido de hoje irrita, mas pode ser o abnegado de amanhã. Espero que assim seja.
(a continuação da faina vem já aí...)
“Os Convencidos da Vida:
Todos os dias os encontro. Evito-os. Às vezes sou obrigado a escutá-los, a dialogar com eles. Já não me confrangem. Contam-me vitórias. Querem vencer, querem, convencidos, convencer. Vençam lá, à vontade. Sobretudo, vençam sem me chatear. Mas também os aturo por escrito. No livro, no jornal. Romancistas, poetas, ensaístas, críticos (de cinema, meu Deus, de cinema!). Será que voltaram os polígrafos? Voltaram, pois, e em força. Convencidos da vida há-os, afinal, por toda a parte, em todos (e por todos) os meios. Eles estão convictos da sua excelência, da excelência das suas obras e manobras (as obras justificam as manobras), de que podem ser, se ainda não são, os melhores, os mais em vista. Praticam, uns com os outros, nada de genuinamente indecente: apenas um espelhismo lisonjeador.”
Estas foram dessas linhas que se lê em perfeito entendimento com o autor. Consigo ver os meus próprios convencidos desfilar na passadeira da imaginação felizes da vida, emproados nas suas vestimentas, moldados sem folga às suas conveniências e vejo-os, depois, acenar à multidão. Vejo-os perguntar sem querer saber e olhar sem querer ver. Já os detestei, já os desprezei, já os achei risíveis. Mas agora, não sei porquê, dão-me pena. Entristece-me o que lhes passa ao lado e, de certo modo, frustra-me não ser capaz de lhes explicar a magia da descoberta do outro. O outro, este aqui ao lado que não é como nós, que traz consigo vivências desconhecidas e nos pode fazer viajar. Este, que é tão maravilhoso ao ponto de se partilhar connosco, de dar! Somos nós os sortudos por receber.
Mas a que propósito vem isto? Primeiro as condições e os estados, depois os convencidos??
Isto a propósito de eu fazer um esforço por não encaixotar as pessoas e procurar alguma humildade nos juízos que faço. Prefiro estados, é verdade. Mas às vezes resvala-me um pé para as condições, sem sequer o notar. Os convencidos são só um exemplo. A moral da história é que todos temos dias maus, talvez semanas, ou mesmo meses. Anos? É possível... Mas, num determinado momento, somos uma bolinha de condições juntas. O convencido de hoje irrita, mas pode ser o abnegado de amanhã. Espero que assim seja.
(a continuação da faina vem já aí...)
04/10/07
no céu espelhado - I
Não vou pela poesia do mar para não secarmos todos de tédio. No geral, o que se quer é ler, entender, aceitar e, de preferência, sorrir. Se der para chegar à gargalhada, tanto melhor. Aqueles poucos que gostam de chorar ou, pelo menos, da facadinha gelada no meio do peito, esses, tentem perspectivar o que se segue a uma luz moderadamente sado-masoquista. Resulta sempre, e neste caso até não é difícil.
Os nomes dos companheiros destas fainas marinhas serão transformados, para que depois não me venham com merdas... Conteúdos menos próprios, se os houver, serão também com habilidade convertidos em preciosas metáforas que só os próprios entenderão no seu completo significado. Isto é, se a arte e o engenho mo permitirem. Senão, olha, azarecos! :)
No início faz-se por decorar os termos da marinhagem, bem como se tentam não trocar as patentes dos oficiais, coisa em nada fácil aqui para a distraída (mais tarde ignoram-se essas ignorâncias e remedeia-se dentro do possível).
No início a novidade é estranha, as pessoas são estranhas, todas parecem iguais, homogéneas, saltam aqui e ali algumas excepções, mas mais nada. Os termos são estranhos, os recantos desconhecidos, o espaço não tem propriedade e os marujos olham-nos com desconfiança.
No início a cabeça ainda está em terra, presa a tudo aquilo que ficou por fazer e por dizer, em banho-maria até ao regresso. A apreensão acompanha silenciosa cada movimento.
Mas depois...
Eu confesso: em condições normais, acordar ao som estridente de “ALVORADA, ALVORADA!” às sete da manhã, gritada por um altifalante estrategicamente colocado junto à minha alminha dormente, deixar-me-ia de muito mau humor. Muuuuito mau humor... (existem relatos assustadores daquilo que sou capaz em momentos de insanidade matinal). Mas também já notei que os azeites se me dissipam um pouco quando em comunidade. O que equivale a dizer que tenho vergonha na cara! Portanto, ao longo de cinco dias aturei alvoradas diárias sem mandar um palavrão que fosse. Qual palavrão, nem uma palavrinha! Esparramada no terceiro andar do beliche, abria um olho, sentia movimento lá em baixo no rés-do-chão e, invariavelmente, encontrava a IC19 cheia de speed a vestir as calças. Porque estava na hora do pequeno-almoço, ocasião mais que sagrada para o seu estômago revoltoso. Abria o outro olho e fixava o tecto de contraplacado. Porquê, porquê, porquê? Eram os único vocábulos que me ocorriam. Puxava o saco-cama até cima e escondia a cara para que a luz que se esgueirava por entre as frestas do cortinado individual não continuasse a exigir que me levantasse. Mas depois, à medida que o cérebro ia subindo à superfície (ou seja, que se apercebia de que toda a gente se mexia menos eu), lá perguntava as horas a custo. Sete e um quarto, sete e vinte, nunca menos. Hora de rebolar e tactear com o pé a cama de baixo, apoiar-me e descer do segundo andar para o primeiro e do primeiro para o chão. Trabalhoso. Lá em baixo esperava-me o pequeno caos que se desenrola quando seis pessoas se tentam vestir ao mesmo tempo em dois metros quadrados, com o brinde extra dos gavetões abertos ocuparem um terço do espaço disponível. Havia que pegar depressa no necessário e fugir para a casa-de-banho. Curiosamente, nunca apanhei engarrafamentos lá dentro, não sei porquê. E toda a gente parecia mais ou menos lavadinha, vá-se lá entender!
A essa hora madrugadora não se tem muita fome (excepção feita à camarada IC19, como é óbvio), pelo que o pequeno-almoço de leite, café, bolachas, pão hiper salgado e manteiga me parecia mais que suficiente. Depois, em terminado o repasto, havia que dar lugar ao cliente seguinte sem grandes demoras e entregar a loiça ao desgraçado que estivesse de quarto a lavá-la.
A Boss comandava as hostes do nosso pequeno grupo de dez elementos. Grupinho porreiro no seu grosso, mas lá iremos mais tarde... A primeira obrigação do dia era formar no convés para atribuição das faxinas, com a Boss sempre na frente da fila a controlar a situação. Os marinheiros formavam, por seu turno, à nossa frente e os oficiais rendiam-se com continências e tudo, a engraxar-nos com o pack-marinha completo. Tinha alguma graça, mas eu era mais sono!
Quando o mestre iniciava o seu discurso faxineiro, quase aposto que todos cruzávamos os dedos atrás das costas pedindo em silêncio ao nosso Deus para que não tivesse chegado a vez das casas-de-banho, esse Adamastor da vida a bordo. Eu, pelo menos, pedia ferverosamente, esmifradinha em concentração, com toda a fé que assiste ao bom agnóstico em altura de crise. Mas lá chegou o dia em que a reza não atingiu as altas influências...
(há-de continuar)
Os nomes dos companheiros destas fainas marinhas serão transformados, para que depois não me venham com merdas... Conteúdos menos próprios, se os houver, serão também com habilidade convertidos em preciosas metáforas que só os próprios entenderão no seu completo significado. Isto é, se a arte e o engenho mo permitirem. Senão, olha, azarecos! :)
No início faz-se por decorar os termos da marinhagem, bem como se tentam não trocar as patentes dos oficiais, coisa em nada fácil aqui para a distraída (mais tarde ignoram-se essas ignorâncias e remedeia-se dentro do possível).
No início a novidade é estranha, as pessoas são estranhas, todas parecem iguais, homogéneas, saltam aqui e ali algumas excepções, mas mais nada. Os termos são estranhos, os recantos desconhecidos, o espaço não tem propriedade e os marujos olham-nos com desconfiança.
No início a cabeça ainda está em terra, presa a tudo aquilo que ficou por fazer e por dizer, em banho-maria até ao regresso. A apreensão acompanha silenciosa cada movimento.
Mas depois...
Eu confesso: em condições normais, acordar ao som estridente de “ALVORADA, ALVORADA!” às sete da manhã, gritada por um altifalante estrategicamente colocado junto à minha alminha dormente, deixar-me-ia de muito mau humor. Muuuuito mau humor... (existem relatos assustadores daquilo que sou capaz em momentos de insanidade matinal). Mas também já notei que os azeites se me dissipam um pouco quando em comunidade. O que equivale a dizer que tenho vergonha na cara! Portanto, ao longo de cinco dias aturei alvoradas diárias sem mandar um palavrão que fosse. Qual palavrão, nem uma palavrinha! Esparramada no terceiro andar do beliche, abria um olho, sentia movimento lá em baixo no rés-do-chão e, invariavelmente, encontrava a IC19 cheia de speed a vestir as calças. Porque estava na hora do pequeno-almoço, ocasião mais que sagrada para o seu estômago revoltoso. Abria o outro olho e fixava o tecto de contraplacado. Porquê, porquê, porquê? Eram os único vocábulos que me ocorriam. Puxava o saco-cama até cima e escondia a cara para que a luz que se esgueirava por entre as frestas do cortinado individual não continuasse a exigir que me levantasse. Mas depois, à medida que o cérebro ia subindo à superfície (ou seja, que se apercebia de que toda a gente se mexia menos eu), lá perguntava as horas a custo. Sete e um quarto, sete e vinte, nunca menos. Hora de rebolar e tactear com o pé a cama de baixo, apoiar-me e descer do segundo andar para o primeiro e do primeiro para o chão. Trabalhoso. Lá em baixo esperava-me o pequeno caos que se desenrola quando seis pessoas se tentam vestir ao mesmo tempo em dois metros quadrados, com o brinde extra dos gavetões abertos ocuparem um terço do espaço disponível. Havia que pegar depressa no necessário e fugir para a casa-de-banho. Curiosamente, nunca apanhei engarrafamentos lá dentro, não sei porquê. E toda a gente parecia mais ou menos lavadinha, vá-se lá entender!
A essa hora madrugadora não se tem muita fome (excepção feita à camarada IC19, como é óbvio), pelo que o pequeno-almoço de leite, café, bolachas, pão hiper salgado e manteiga me parecia mais que suficiente. Depois, em terminado o repasto, havia que dar lugar ao cliente seguinte sem grandes demoras e entregar a loiça ao desgraçado que estivesse de quarto a lavá-la.
A Boss comandava as hostes do nosso pequeno grupo de dez elementos. Grupinho porreiro no seu grosso, mas lá iremos mais tarde... A primeira obrigação do dia era formar no convés para atribuição das faxinas, com a Boss sempre na frente da fila a controlar a situação. Os marinheiros formavam, por seu turno, à nossa frente e os oficiais rendiam-se com continências e tudo, a engraxar-nos com o pack-marinha completo. Tinha alguma graça, mas eu era mais sono!
Quando o mestre iniciava o seu discurso faxineiro, quase aposto que todos cruzávamos os dedos atrás das costas pedindo em silêncio ao nosso Deus para que não tivesse chegado a vez das casas-de-banho, esse Adamastor da vida a bordo. Eu, pelo menos, pedia ferverosamente, esmifradinha em concentração, com toda a fé que assiste ao bom agnóstico em altura de crise. Mas lá chegou o dia em que a reza não atingiu as altas influências...
(há-de continuar)
03/10/07
volta à faina!
Comunicado:
Guarnição e instruendos regressaram ao Alfeite no passado dia 2 de Outubro, às dez, zero, zero. Como previsto. I-23 não pôde ainda descansar pois tem que 'despendurar' alguns assuntos pendentes esta semana. Não enjoou a bordo (para tristeza e desilusão certas de alguns leitores) mas, em compensação, desde que pisou terra firme, padece de uma severa embriaguez que nem o sono curou. Tudo insiste em balançar e I-23 controla-se para não se agarrar às paredes. É que daria mau aspecto.
Mais actualizações em breve...
Guarnição e instruendos regressaram ao Alfeite no passado dia 2 de Outubro, às dez, zero, zero. Como previsto. I-23 não pôde ainda descansar pois tem que 'despendurar' alguns assuntos pendentes esta semana. Não enjoou a bordo (para tristeza e desilusão certas de alguns leitores) mas, em compensação, desde que pisou terra firme, padece de uma severa embriaguez que nem o sono curou. Tudo insiste em balançar e I-23 controla-se para não se agarrar às paredes. É que daria mau aspecto.
Mais actualizações em breve...
Subscrever:
Mensagens (Atom)