Há a história do gato malhado e da andorinha sinhá. Há a história da gaivota e do gato que a ensinou a voar. E há a história do Cabo Costa e da andorinha-do-mar...
Era uma vez o Cabo Costa que manejava os seus cabos em descanso quando as instruendas atentas subiram a bordo, no Alfeite. Cabo Costa viera recentemente do mar do Norte, onde tinha estado a filmar mais um anúncio da Old Spice, ao eterno som Orffiano de Carmina Burana (aquela assim: “tan tan tan tan, TAN TAN, tan tan tan tan, TAN TAN, tan tan tan tannnnn tannn tan tan...” tão a ver, não é?). Das gravações intensivas ao som da música, Cabo Costa acabara por ganhar um olhar um pouco ausente, talvez misterioso, um ar que se tornava apelativo. Mas as instruendas miravam à distância, cada uma medindo em silêncio os seus poderes e calculando probabilidades baseadas em distribuições Gaussianas, como haviam aprendido (e com distinção) na Escola Mediana dos Supra-Heróis com Potencialidades e Mania das Grandezas - “EMSHPMG”, como se dizia para facilitar...
Cabo Costa só era avistado às vezes, normalmente à hora da faina de mastros em que todos eram obrigados a subir ao convés para içar as velas. Aí vinha ele, trazendo consigo o porte da Gant e cumpria com gosto o seu dever. Upa upa, força, muitos sorrisos, “VAI, VAI”, gritava aqui e ali e depois desaparecia. Era uma pessoa cordial e atenciosa. Logo na primeira faina, aquela em que Cajó passeava a máquina de filmar e soltava comentários à canal Odisseia, Cabo Costa deu-lhe a missão de rodar um certo botão para on à sua ordem. Cajó, compenetradíssimo, fixou todo o tempo o aparelho para que o botão não lhe fugisse. E, não só conseguiu, como filmou a proeza!! (foi nesse momento que virou o écrãn da máquina para si próprio, sorriu em rasgo e ergueu o punho num sinal claro de vitória). Pensei: Cabo Costa, além do mais, é esperto, ocupou o irritante e manteve-o quieto para não estorvar. Palavra mais linda, esta do estorvar...
E, de resto, quase não se deixou voltar a ver. Até à noite da andorinha.

Regressávamos já a Lisboa e deviamos navegar algures ao largo da costa vicentina. Tinha sido o primeiro dia de ondulação forte e as aves voavam agitadas por cima do mar. Nessa altura já só tínhamos turnos de dia e, naquele momento, começava a escurecer. O turno estava no fim pelo que, como sempre, mais de metade de nós sentava-se na popa, junto à ponte, a ver o tempo passar. Cabo Costa marcava presença, não sei se estaria de turno também. Começámos a prestar atenção a uma andorinha-do-mar que fazia vôos rasantes à ponte, circulava o local e era depois arrastada pelo vento. Impressionou-me como o bicho parecia uma folha de papel à mercê dos elementos. E Cabo Costa ficou também impressionado! Estava fascinado... Sussurrava quase tanto como a Rapariga-Sussurrante, para não incomodar a ave que, num arremesso, se conseguira atirar à ponte e encaixar lá num spot com menos vento. Podiamos aproximar a mão até uns 20 centímetros da gaja, que ela não se mexia. E o Cabo Costa, todo derretido, não lhe tentem mexer, não assustem a coitadinha, ela está estafada! E eu a pensar atão não é suposto serem marujos rudes do mar? Confesso que mal topei a andorinha achei que estava tudo fod... e que pouco tardaria para jantarmos Sterna hirundo no espeto, esse belo pitéu (sempre variava do atum, não era?). Mas, graças ao Cabo Costa, que fez ali guarda à bicha, afastando com ímpeto e alguma ofensa as “brincadeiras” dos amigos, a andorinha passou uma noite tranquila. Era bonzinho. Não desenvolvia muito, vim a perceber um pouco mais tarde, mas era bonzinho.