05/10/07

ser ou estar

Não gosto muito de condições. Eu é mais estados. Prefiro dizer que se está do que se é, prefiro considerar a mudança, dar esse justo benefício às coisas e às pessoas. Estou contente, nem sempre o sou. Estou com fome, não sou esfomeada. Os ingleses parecem não sabê-lo, mas assim é. Estou magra, gorda, amável, intratável, sensível, desajeitada, ausente, inquieta... Tantas coisas que se está, que se vai estando ao longo da vida! Felizmente nada é definitivo. Veja-se este bocadinho que roubei ao Alexandre O’Neill, amigalhaço das curvas:

“Os Convencidos da Vida:
Todos os dias os encontro. Evito-os. Às vezes sou obrigado a escutá-los, a dialogar com eles. Já não me confrangem. Contam-me vitórias. Querem vencer, querem, convencidos, convencer. Vençam lá, à vontade. Sobretudo, vençam sem me chatear. Mas também os aturo por escrito. No livro, no jornal. Romancistas, poetas, ensaístas, críticos (de cinema, meu Deus, de cinema!). Será que voltaram os polígrafos? Voltaram, pois, e em força. Convencidos da vida há-os, afinal, por toda a parte, em todos (e por todos) os meios. Eles estão convictos da sua excelência, da excelência das suas obras e manobras (as obras justificam as manobras), de que podem ser, se ainda não são, os melhores, os mais em vista. Praticam, uns com os outros, nada de genuinamente indecente: apenas um espelhismo lisonjeador.”

Estas foram dessas linhas que se lê em perfeito entendimento com o autor. Consigo ver os meus próprios convencidos desfilar na passadeira da imaginação felizes da vida, emproados nas suas vestimentas, moldados sem folga às suas conveniências e vejo-os, depois, acenar à multidão. Vejo-os perguntar sem querer saber e olhar sem querer ver. Já os detestei, já os desprezei, já os achei risíveis. Mas agora, não sei porquê, dão-me pena. Entristece-me o que lhes passa ao lado e, de certo modo, frustra-me não ser capaz de lhes explicar a magia da descoberta do outro. O outro, este aqui ao lado que não é como nós, que traz consigo vivências desconhecidas e nos pode fazer viajar. Este, que é tão maravilhoso ao ponto de se partilhar connosco, de dar! Somos nós os sortudos por receber.

Mas a que propósito vem isto? Primeiro as condições e os estados, depois os convencidos??
Isto a propósito de eu fazer um esforço por não encaixotar as pessoas e procurar alguma humildade nos juízos que faço. Prefiro estados, é verdade. Mas às vezes resvala-me um pé para as condições, sem sequer o notar. Os convencidos são só um exemplo. A moral da história é que todos temos dias maus, talvez semanas, ou mesmo meses. Anos? É possível... Mas, num determinado momento, somos uma bolinha de condições juntas. O convencido de hoje irrita, mas pode ser o abnegado de amanhã. Espero que assim seja.

(a continuação da faina vem já aí...)

4 comentários:

calvinn disse...

Gostei de ler isto. Ideias bem arrumadinhas essas.
Concordo com os estados.

Anónimo disse...

Ainda não conheci uma pessoa que não tivesse uma saída de "Convencida da Vida" de vez em quando. Algumas delas não se poupam a catalogações constantes, como disseste. Pessoas com quem podes ter maravilhosos monólogos onde tentam desesperadamente convencer-te de que a tua opinião, quando diferente da deles, é ridícula.

Já Eu peco pelo caótico oposto da Incerteza...também não é bom...e no meio disso, de vez em quando, também tenho a "certeza" sobre qualquer coisa.

Omega

...dream disse...

E quando os convencidos são convencidos apenas para se convencerem a si próprios?
A forma como nos apresentamos aos outros resulta dos nossos estados de alma, daquilo que estamos a sentir naquele momento, naquele dia, naquela semana, naquele mês, ou quem sabe naquele ano.
Por isso às vezes tentamo-nos convencer que SOMOS qualquer coisa através daquilo que transmitimos às outras pessoas.

sara disse...

Sim, essa é uma óptima observação. Muitos haverá que tentam chegar ao "ser" através do "parecer". Mais se justifica uma certa pena de quem observa.

E como disse o Ómega, quase todos temos os nossos momentos de convencidos da vida. Em certa medida a falta de modéstia torna-nos atraentes para os outros. Damos nas vistas. Mas porque é um estado e tudo se transforma, pode-se sempre deixar de o fazer. :)