24/05/07

proposta decente

Ultimamente ando com pouco tempo para blogar e lembrei-me de apelar à vossa imaginação (maneira mais ou menos subtil de me descartar da escrita propriamente dita!). Quem me faz o gostinho de continuar?

"Entrei no café pouco convencida quanto aos motivos que me levavam ali. Por segundos ainda me detive junto à porta com a mão firme na maçaneta, ponderando dar meia volta e sair de fininho. Queria desesperadamente evitar as consequências do que me propunha fazer. Mas a verdade é que precisava também desesperadamente de o fazer..."

16/05/07

cenas de gaja???

O gandamaluko que me perdoe a ousadia de ir buscar o tema do seu último post, mas é que não pude resistir. Se estão curiosos, leiam-no aqui (e apreciem o blog, que é um espaço agradável para gargalhar logo pela manhã) antes de eu começar a espingardar. Não com o gandamaluko, evidentemente...

A história é verídica. A senhora Tania Derveaux é candidata ao senado belga pelo partido NEE. Mulheres na política, óptimo. Só que esta mulher em particular decidiu despir-se e dar o corpo ao manifesto numa campanha em que, para além de brindar o eleitorado com a sua bela figura em poses sensuais, promete este mundo e o outro – entre a criação de 400 mil postos de trabalho e a promessa de pacificar as relações entre árabes e judeus, não sei qual surge mais estapafúrdia.

Ora bem. Vou tentar não usar o termo “feminismo” para que não me encaixotem já ao lado de sexistas e companhia, apesar de acreditar que se trata de um conceito que representa igualdade e não superioridade feminina. Uma palavra escolhida por reacção, por oposição a uma sociedade extrema, um termo talvez infeliz e que incomoda muita gente mas que, no fundo, não pretende senão fazer valer a importância da mulher (o que não é o mesmo que minimizar a do homem).

Posto isto, a Tania! Repetindo a frase de há pouco: “mulheres na política, óptimo”. E acho óptimo não porque pense que as mulheres governam melhor do que os homens, nem que, como alguns dizem, um governo maioritariamente feminino resolveria os nossos problemas na saúde e na educação. Não sei, não faço ideia. Acho óptimo porque poucas o fazem e se a dinâmica da população humana nos mantém num equilibrio mais ou menos constante de 50% de homens e 50% de mulheres (desenganem-se aquelas que se continuam a lamuriar que há 7 mulheres para um homem!), o natural é que tanto homens como mulheres ocupem cargos políticos.

Mas os fins não justificam os meios. Penso naquilo por que tanta gente passou ao longo das últimas décadas para que, passo a passo, começássemos a contrariar a injustiça, a intolerância e os preconceitos do dia-a-dia e, ao confrontá-lo com atitudes deste género, não consigo deixar de me revoltar. Para quê explorar o corpo e evidenciar leviandade? Que recado é que a candidata pretende dar? Que é bonita e bem intencionada, como uma miss universo? Quer apelar ao sexo do eleitorado masculino (passando-lhes desse modo, e automaticamente, um atestado de estupidez)?

Parece não ser suficiente que, em tantas coisas, as mulheres sejam vistas como menos capazes, que as tarefas em que têm mais sucesso não sejam valorizadas, que elas próprias aceitem a discriminação salarial, o assédio sexual, o desapoio à gravidez, que sejam escravas da estética... Parece que o que é fixe é despirmo-nos para fazer desaparecer a ideia de nós como pessoas e virar os holofotes para a nossa sexualidade. Ao longo da Evolução sempre foi o nosso maior trunfo, para quê contrariar? Porque não usar as armas poderosas de que se dispõe?

Porque é começar a andar para trás. Porque a Evolução ditou os caminhos pelos quais chegámos aqui, mas já que o conseguimos, podemos almejar fazer melhor. E a vantagem que dantes nos trazia o sexo era, basicamente, a de manter um homem por perto que nos facilitasse a vida. Se os nossos objectivos hoje em dia são outros (e pelo que tenho visto e ouvido, parece que sim!), então teremos que lutar com uma arma diferente. Uma arma mais justa e, talvez, a única possível numa situação em que homens e mulheres se propõem competir honestamente. O cérebro.

14/05/07

uma história para o caminho

Uma das minhas histórias preferidas sempre foi a do velho, do rapaz e do burro. Não sei se conhecem...

Vão por um caminho um velho, um rapaz e um burro, o primeiro puxando o último pela corda e o rapaz saltitando a seu lado, quando se cruzam com uma mulher que segue em sentido contrário. Ao deparar-se com os três viajantes, a mulher começa a rir e exclama: “Isto é que é vida para o burrico! Então trazem um jumento e vão os dois a pé? Mas que grande disparate!”. Então o velho, meio envergonhado, manda subir o rapaz para cima do burro e lá prosseguem viagem. Um pouco mais à frente aparece outro indivíduo, ancião tal como o nosso velho, e planta-se na estrada a barrar-lhes a passagem. Com o cajado levantado faz estancar o burrico e dá dois berros à criança: “Sai mas é já daí, ó catraio! Não vês o teu pobre avô, o estado em que vai? Pernas fracas é que devem ir montadas para descansar”. E o miúdo, aflito, olha o velho – que lhe encolhe os ombros – e salta do burro para baixo. Sobe o velho e o jumento põe-se a andar. Umas curvas mais à frente no caminho, avistam três rapazes que pastoreiam as ovelhas. Um deles aproxima-se e dirige-se ao velho: “Olha o raio do velho montado no burrico! Deixa mas é subir o catraio que é criança e logo se cansa!”. Então o velho desmonta, suspirando, dá de novo lugar ao miúdo e lá se fazem outra vez ao caminho. Indo assim a criança empoleirada no burro e o velho levando-o pela corda, passam por duas mulheres que tratam das batatas na eira. Gritam de lá elas: “Ó miúdo, não tens vergonha? Vais aí regalado no burrico e deixas o teu avô tão idoso percorrer o caminho a pé?”. Os dois entreolham-se sem saber o que fazer. Mais uma vez a criança desmonta e, juntos, decidem sentar-se numa pedra a pensar na situação. Se sobe o velho para o burrico, dizem que não trata bem a criança. Se sobe o miúdo, que não tem atenção ao seu avô. Que fazer? Por fim o velho tem uma ideia: “Olha, levemos nós o burro às costas”. E assim fazem. A muito custo lá encontram uma maneira de levantar o peso do asno, entrelaçam os ombros (uns demasiado pequenos, outros demasiado curvados) e carregam-no desse modo até à aldeia para onde se dirigiam. Mas mal entram no largo da igreja, onde a maior parte do povo está reunida à conversa, estala a gargalhada geral. Todos apontam o rídículo espectáculo da chegada de um velho e uma criança, arrastando-se, estafados, com um burro às costas. “Já alguém viu coisa mais estúpida na vida? Será que bateram com a cabeça? Que duas almas tontas!”. E riem, riem, riem, para espanto e frustração dos dois protagonistas.


Dantes gostava da história porque me divertia. Imaginava um velho de olhar atarantado que subia e descia do burro sem ai nem ui, como se lhe faltasse vontade e entendimento (coisa que, num adulto, me parecia inverosímil e definitivamente cómica). E a cena do burro às cavalitas era o delírio total!
Agora gosto dela porque me recorda a importância de mantermos a nossa razão intacta, não obstante do que nos digam as bocas do mundo. A falta de aprovação nem sempre é fácil de contornar (pronto, é quase sempre lixada!), mas o preço que se paga por sucumbir à tendência para agradar a gregos e troianos pode ser gordo demais. Quem quer acabar a levar um burro às costas para gáudio do povo, levante agora o braço!

12/05/07

#1

- Quais são os dias bons? – perguntava-me ela com os olhos bem abertos, lacrimejantes de emoção, como se a minha resposta lhe fosse permitir fugir da rotina de dor e desespero.

Eu não sabia o que dizer. Deixava-me ficar quieto, sentado na cadeira ao lado da cama e tomava-lhe a mão em silêncio, desejando saber mais do mundo e da vida para lhe oferecer algum conforto.

Desde que o meu pai se fora embora que as coisas se tinham feito outras. Onde antes as memórias se turvavam numa amálgama confusa de risos, cores e palavras sussurradas antes de domir, agora o ambiente tornara-se de uma espessura cinzenta que me custava atravessar. E não era só do fumo dos cigarros que a minha mãe acendia, com nervoso, uns após os outros. Era também, e principalmente, do peso de a ver naquele estado ausente. Passava os dias na cama, enfrascada em comprimidos e, nos momentos em que não dormia, arrastava-nos consigo para esse lugar triste e confuso onde as crianças nunca deviam entrar.

- Quais são os dias bons, Miguel, diz-me! Quais são? – insistia, puxando-me a mão para si num sufoco e dando abertura a uma torrente de lágrimas gemidas que me feriam como agulhas. Depois, lentamente, os seus olhos embaciavam-se, fixava sem sentido a parede pérola do quarto e regressava ao sono como se não me tivesse dito nada, como se eu não estivesse ali ao lado, segurando-lhe a mão. E a pergunta ficava-me a boiar... Quais são os dias bons? Voltarão os dias bons?

11/05/07

a quicky...

"Casamento é um relacionamento a dois, no qual uma das pessoas está sempre certa e a outra é o marido."

(esta é tão deliciosa que tinha de vir para aqui)

08/05/07

dar à luz feliz e contente

Parece que ter filhos já não é o que era... Esta semana no Courrier, o insólito entitula-se “Dar à luz: uma experiência orgástica”. Sempre a aprender!

Várias mulheres descrevem experiências incrivelmente sensuais durante os seus trabalhos de parto e defendem que é possível tornar esses momentos mais agradáveis para todas as grávidas. Para que isso aconteça, o ideal é ter o filho em casa e entregar-se a mãos sabidas: “praticamos massagem dos mamilos e do clitóris para provocar as contracções, favorecer a abertura do colo do útero e da vagina e contribuir para aliviar a dor”, diz uma das parteiras.

Muito interessante, por um lado, um pouco impraticável, por outro. Ou daí talvez não (não me consegui ainda decidir). Será difícil para qualquer mulher tomar a decisão de ter um filho em casa. Pode ser infinitamente mais cómodo, tranquilo e menos invasivo, mas o risco de ocorrerem complicações sem que haja assistência médica imediata pesa bastante. Além disso, quantas se entregarão sem pudor à masturbação por uma desconhecida? Hmmm.... I’m guessing not that many. No entanto, a ideia é gira. Haja coragem e desinibição em barda e que aproveite quem pode! O bebé agradece, pois chegará ao mundo mergulhado num mar de hormonas bem agradáveis...

07/05/07

viver a três

Houve uma altura em que éramos três. Vivíamos naquele suave embalar da infância que tudo olha e aceita, de sorriso pronto. Éramos três, três partes de um todo, cada uma dando a sua contribuição e sem questionar, por um momento que fosse, a parte que lhe coubera. A engrenagem montava-se por magia, precisamente por não ser um fim, mas uma consequência do que partilhávamos e do que éramos. Moldáveis, moldando-nos.

No dia-a-dia da escola, nas tardes de pão com manteiga e desenhos animados, nos ensinamentos e esforços da avó, na praia, na quinta, na piscina, nos fins-de-semana chuvosos de Lisboa, nas idas ao parque dos baloiços, nas conversas tontas, nas brincadeiras eternas, éramos três. Eu e elas...

A vida chegou quase de repente. Arrancou-me do enlevo – coisa que ainda hoje me pergunto porquê – e apontou um dedo mais ou menos acusador. Inquiriu, pediu explicações, demarcou linhas e iniciou o seu lento desgaste.

É verdade que as diferenças se amplificam com a passagem do tempo. Que nos individualizamos e perdemos flexibilidade nas relações. Que a magia desaparece no preciso instante em que é pensada, em que nos damos conta de que estava lá. Só que eu fui formatada a três, os pilares que me estruturam ditam a tal conta que deus fez: eu, uma e a outra. Nada se sobrepõe.

Suponho que, por dentro, serei sempre um terço de qualquer coisa.

Neste dia especial, parabéns à mana. :)

03/05/07

os habitantes da fera

A minha fera é única. Tem 1130cm3 de motor, alcatifa verde no interior, várias mossas no lombo (evidentemente nenhuma delas da minha responsabilidade!), um recém-adquirido “tag” na porta do condutor e uma tendência irritante para dar entrada à água em dias de chuva. Entrai, entrai, por quem sois... Um coche cavalheiro, bem sei.

Mas além destes pormenores, chega uma informação que seguramente impressionará: o meu carro é também albergue hospitaleiro de algumas dezenas de tenébrios (que, para quem não sabe, são pequenas larvas da espécie Tenebrio molitor que mais tarde se transformam em simpáticas carochas pretas). Acalmem-se os ânimos, por favor! Passarei a explicar.

A culpa, no fundo, é da passarada. Aqui há uns tempos vi-me obrigada a percorrer vários quilómetros, todas as semanas, para alimentar alguns bicos famintos que me piavam súplicas insistentes (o meu coração mole não resiste a uma boa súplica). Para compensar a pieguice, decidi torturar outra classe, animais de mais fraca categoria evolutiva. Então comprei as ditas larvas e comecei a fazer-lhes maldades aterradoras - só assim passei a dormir descansada.

Certa bela manhã, uma curva mais apertada ditou o destino dos vários bicharocos que se espalharam de imediato (e, atrevo-me a dizer, sorridentes) na mala do bólide. Eu, deparada com a situação, optei por testar as capacidades de sobrevivência das criaturas e voltar a trancar a mala, como se nada fosse. Qual não foi o meu espanto, portanto, quando mais de dois meses depois, assisti à triunfante chegada de três companheiras ao banco da frente! Imaginam a viagem que não deve ter sido?

Um dia, no incrível mundo das larvas, escrever-se-á um grande épico baseado na aventura das três bravas que percorreram as entranhas do peugeot branco. Só espero que me atribuam os créditos devidos!