28/06/07

o orgulho de alguns

À mesa do jantar, em Mangualde, com os meus avós.
- Oh, que pena, é hoje a marcha do orgulho gay e eu não posso ir...
Levantam a cabeça em simultâneo, ele solta uma gargalhada daquelas que são de sopro - vêm do pulmão, rebolam na garganta e acabam por sair pelo nariz, não sei bem como.
- Olha que ponto! Então tu querias ir lá? Palavra?
Leio-lhes a curiosidade nos olhos. Um pouco de incredulidade também.
- Sim, todos os anos quero ir mas acabo por deixar passar o dia sem querer – respondo, enquanto me sirvo de salada e finjo a inocência da provocação. Ela é menos controlada no comentário:
- Filha, mas assim podias ser confundida! Há-que ter cautela.
Eu rio-me. Mesmo estando à espera, divertem-me sempre estas sinceridades.
- Pois é – digo – e depois corria o risco de ser atacada por uma tresloucada qualquer, não era? Aquela gente é perigosa!
Ela entende o meu gozo, que não é parva nem tão surda assim.
- Bem... Não é isso... (gagueja um pouco como lhe é típico nestas situações)
Ele encontra espaço para a sua piada:
- É que aquilo pega-se, é contagioso. Uma pessoa não pode ir para lá misturar-se que sai virada – e ri-se. Rimo-nos todos.

A conversa estende-se pelo mal que acham fazer-se uma marcha pelo orgulho gay, como achariam de qualquer outra marcha de orgulho. Não chego a perceber porquê. Mas convenço-os (ou penso que os convenço) de que tem validade pedir direitos iguais. É que, felizmente, o mundo já não é aquele em que o filho da senhora não-sei-quantas, que era um homem tão gentil e sensível, se suicidou porque o “grande amigo” o deixou para se casar com uma mulher.

Pois não... Hoje conheço resmas de não-homofóbicos. Pessoas que “não se escandalizam nada com os homossexuais, desde que estes não sejam bichonas nem se manifestem em público”. Ou seja, tudo bem que se assumam e vivam juntos, mas que não me apareçam à frente de mãos dadas e muito menos arrisquem um beijinho, que isso é um nojo e eu não tenho que ver! Tudo vai bem com conta, peso e medida, condicionadinho como se quer. Caso contrário faço-te cara feia e grunho-te um despautério. Ou volto indignadíssimo para casa.

A liberdade é mais ou menos isto, não é?

16/06/07

Eh sábado tristonho sem fim!

Nestes dias o tempo passa de maneira estranha. Uma pessoa levanta-se tarde da cama e arrasta-se até ao sofá para continuar com a lazeira. Liga a televisão e regala o olho com as séries da Fox (os gajos hiper bons e as gajas hiper magras) e pensa “hmmm, diz que tenho uma tese para escrever”.

Chove tanto! Os manjericos afogam-se nas varandas e as sardinhas de cartão vão-se desfazendo em papa. Não bate certo com a época festiva a que o meu cérebro está acostumado. Onde estão os chinelos, as peles ligeiramente bronzeadas e o cheiro a quente no ar? Porque nos é negada a leveza destes dias? “hmmm, para que possas escrever a tese sem sentir o bichinho da inveja a corroer?” Good point. Que série dará a seguir ao Dr. House?

14/06/07

o que ficou da noite de Sto António

"A minha palmeira é muito porreira, eu sei
Mas no meu deserto, tu foste o oásis que achei
Tu ficas tontinha quando tiro a casca à banana
Ficas tão doidinha que a tua cauda abana"

Um grande bem-haja ao artista José Cid pelos momentos de sublimação musical.

06/06/07

daquilo que não se diz

Em tudo o que fazemos há aquilo que fica por dizer. Um bom dia de que se desiste à última da hora, mesmo ao cruzar alguém vagamente familiar na rua, um pensamento crú demais para que o seu verbo não doa, uma chamada de atenção deixada passar incólume ao amigo distraído, uma confissão enrascada que se evita, ou aquela palavra de conforto que simplesmente falha, à velhota que procura, de olhos perdidos, uma farmácia aberta.

Não é preciso ser-se iluminado para perceber que se cala muito mais do que se diz. As palavras são apenas a ponta do icebergue que erguemos para o mundo e através da qual esperamos que ele nos entenda. O silêncio, se calhar, é mais expressivo. É que pelo menos esse é nosso.