- Quais são os dias bons? – perguntava-me ela com os olhos bem abertos, lacrimejantes de emoção, como se a minha resposta lhe fosse permitir fugir da rotina de dor e desespero.
Eu não sabia o que dizer. Deixava-me ficar quieto, sentado na cadeira ao lado da cama e tomava-lhe a mão em silêncio, desejando saber mais do mundo e da vida para lhe oferecer algum conforto.
Desde que o meu pai se fora embora que as coisas se tinham feito outras. Onde antes as memórias se turvavam numa amálgama confusa de risos, cores e palavras sussurradas antes de domir, agora o ambiente tornara-se de uma espessura cinzenta que me custava atravessar. E não era só do fumo dos cigarros que a minha mãe acendia, com nervoso, uns após os outros. Era também, e principalmente, do peso de a ver naquele estado ausente. Passava os dias na cama, enfrascada em comprimidos e, nos momentos em que não dormia, arrastava-nos consigo para esse lugar triste e confuso onde as crianças nunca deviam entrar.
- Quais são os dias bons, Miguel, diz-me! Quais são? – insistia, puxando-me a mão para si num sufoco e dando abertura a uma torrente de lágrimas gemidas que me feriam como agulhas. Depois, lentamente, os seus olhos embaciavam-se, fixava sem sentido a parede pérola do quarto e regressava ao sono como se não me tivesse dito nada, como se eu não estivesse ali ao lado, segurando-lhe a mão. E a pergunta ficava-me a boiar... Quais são os dias bons? Voltarão os dias bons?
4 comentários:
a convivencia com pessoas simples, na industria pesada, tem para muita gente uma imagem de brutidade longe de ser desagradável e que nos transporta para um dialogo de western da série b, que curiosamente equilibra muita confusão ou fragilidade escondida. Lembro-me de um dia ter comprimentado um encarregado da mecânica, com um Bons dias (na industria não se diz Bom-dia mas sim bons dias por razões que desconheço) e ter ouvido com esta clarissima resposta:
- Há dias bons, dias maus e Dias cabrões, como por exemplo o Dias da caldeiraria.
jm
"curiosamente equilibra muita confusão ou fragilidade escondida". Gostei.
Valham-nos os dias em que conseguimos fugir à caldeiraria!
jm, continue a aparecer e a deixar as suas histórias. :)
um dia bom é sempre um dia que já passou :D
JD
JD,
Que pensamento profundo... e verdadeiro! De facto, para classificar, olhamos de fora. E isso implica, das duas uma, ou não estar a viver a coisa inteiramente, ou então já ter passado por ela. :)
Bjs
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