Repeti este ano uma experiência de há dois anos. Quatro dias em terras de Miranda, debaixo de um sol abrasador, em companhia de burros, gaiteiros, gentes de fora e locais dispostos a receber. O passeio é co-organizado pelo grupo de música tradicional Galandum Galundaina e pela AEPGA (Associação para ao Estudo e Protecção do Gado Asinino) que, como o nome indica, se dedica a não deixar morrer esse património genético que é o dos burros de Miranda e que, por tal boa causa, vai promovendo a animação no planalto mirandês.
À chegada a Miranda do Douro, pela noite da véspera, é altura de inscrições e põem-se logo os gaiteiros a tocar. Para quem vai pela primeira vez e não está habituado ao som das gaitas e a ter os músicos (determinados) sempre ao lado, dá logo uma certa emoção. Vai-se ficando por ali, os roncos a ecoar, a cerveja a ser servida para os canecos, soltam-se “olá, tudo bem?” a caras conhecidas, uns e outros mais afoitos encetam bailaricos, a noite está morna, tudo vai bem.
No primeiro dia de real burriquice deslocam-se as boas almas para uma das aldeias e ocupa-se o tempo com workshops de dança, de pauliteiros, de língua mirandesa, de maneio de burros ou de gaitas e precursão - é à escolha do freguês. Alguns metem-se logo na tasca mais próxima (não vou dizer quem, que o barbudo ainda me vem acusar de queixinhas!). Os dias seguintes são já para se passar em caminhada. Cada grupo acompanha um burrico e, quem quer, vai alternando para montar. O olhar, esse, vai-se perdendo nas searas, nos lameiros delimitados por toscos muros de pedra, no feno enrolado em cilindros, nesses campos amarelos pintalgados de carrascos e pedras, e reserva-se na memória – não tenho dúvida – o contraste magnífico das cores mirandesas. Claro que há pó. Um imenso calor. Pernas que, às tantas, precisam de ir em piloto automático para se moverem. Há cansaço, sede, burras teimosas e gaitas que, inexplicavelmente(!!) dentro dos tímpanos, às vezes apelam ao silêncio. Mas a experiência vale essa pena. Até caminhar atrás de um burro a quem dá um súbito ataque de diarreia é coisa que se vê compensada pelos sítios, as vistas, os ares e as gentes.
O que me espanta, ao voltar de locais como este, é a fraca ligação que pessoas como eu têm à sua terra. Ao seu lugar. Dá a sensação, depois de conhecer gente rural, que flutuo com suavidade por cima do solo, sem nunca lhe tocar, sem nunca ele me agredir, nem tão pouco me oferecer o que seja. Não o conheço. Para ele sou invisível. É verdade, para uma Lisboa sou absolutamente invisível! Não consigo sequer deixar uma pegada - dada a calçada e o alcatrão a perder de vista. E é normal que assim seja, estou rodeada por um milhão de lisboetas igualmente invisíveis. Parece que da cidade só tiro, só percorro, só aproveito miradouros, cinemas, cafés, bares… E nada dou. Por estranho que pareça, quem não dá sente-se vazio.
Mas voltando à burricada! É revigorante conhecer um grupo de gente nova que se preocupa em manter viva a sua cultura. Por banal que isto soe, é verdade. Como prova disso, somos acompanhados por várias crianças locais que também tocam os bombos, as gaitas e as pandeiretas que nem gente grande – para além de controlarem os burros, coisa que nós não conseguimos, de todo, fazer. Arre, arre burrica, em frente! [e a gaja decide comer umas ervas apetitosas mesmo ali ao lado]. Wow, wow, devagarinho… [e ela arranca desembestada, dando encontrões a torto e a direito, porque a outra burra, que é a sua maior amiga, vai lá para a frente]. Seguimos assim, de aldeia em aldeia, falamos com os antigos, levamos a confusão e a festa e parece-me que a maior parte deles gosta. Alguns burriqueiros vão armando tendas e dormindo nos locais de paragem, outros, depois do arraial, metem-se na camioneta que os leva de volta ao parque de campismo (no meu caso foi mais a kangoo da SemNexo, feita T0).
No dia seguinte era mais do mesmo. No total palmilhámos o percurso: Constantim – Póvoa – Malhadas – Pena Branca – Miranda do Douro. Não faço ideia da distância. Só sei que, mais uma vez, foi uma curtição.
Obrigada à companhia!
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9 comentários:
Pelas fotos, mas sobretudo pelo que escreve deve ter sido muito interessante.
Não que seja o meu estilo de programa, longe disso muito longe mesmo.
Mas conheço um pouco a zona e tem de facto recantos admiraveis, e gentes boas.
Gostei das fotos, e do trabalho feito nalgumas delas. Já quanto à sua assinatura nas mesmas, a minha curiosidade fez-me "googlar" e o primeiro site que encontrei com o nome de " Madame S" merece ser visitado mas por outras e diametralmente opostas razões.
eheheheh.... já visitei, realmente interessante! ;)
E depois quando se pisa de novo a calçada de volta às nossas mais que preenchidas vidas sedentárias, olhamos para momentos que por muito singelos que sejam nos deixam saudades. Ainda que tenham passado poucos dias, dou por mim a pensar se a vida que tenho na cidade sequer se compara àquele descanso e desafogadas inspirações. Obrigado pela companha.
Parafraseando alguém..."e o burro sou eu" !!! Neste caso somos todos nós...
Tem toda a razão o txico malvado.
Bjinhos
titiokrido
E deixa-me que te diga. Ainda temos que falar sobre esta demasiada semelhança de escrita. Não me parece bem, não me parece bem repito, recomeçar a escrever porque li coisas com as quais me identifico e me fazem pensar. Achas bem, fazer-me pensar?
Ahahahah, ou não me achasses tu um pouco parvo.
Beijos
Parece que a outra madame s. vai receber bastantes visitas inesperadas ao site nos próximos tempos.
S., aconselho-te a mudar de pseudónimo antes que seja exigido de ti mais do que palavras bonitas e fotos de paisagem ;)
Os comentários vão por mail.
Bjs
Ainda à pouco de lá saímos e já sinto saudades...
Para o ano lá estaremos novamente.
txico malvado,
Pois sim, claro, que me parece muito bem!! Pensar não é do melhor que há? E um bocadinho de parvoíce dá saúde e faz crescer! ;)
ainise,
tanta razão, há-que acautelar... vou pensar em como me chamarei para a próxima (e googlar o pseudónimo antes de mais nada)
dream,
encontro anual marcado nos burricos! apalavrado com a bluecira.
Parece que n�o sou s� eu que tenho uns neg�cios secretos... ;)))
Boas fotos! Gostei!
Esqueceste-te de descrever a sensa�o... aquela... a tal de "o tempo voa"... a mim parece-me que cheguei l� disse ol� a todos e quando dei por mim j� est�vamos a picar a �ltima BORBOLETA!!!!!!
(DIGAM N�O � BORBOLETA!)
Mas a folia � sempre assim, certo? Para o ano h� mais!
Beijinhos
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