31/07/08

e finalmente foi Verão!

Quando eu era miúda, na praia, as avionetas passavam por cima do areal e deixavam cair brindes. T-shirts, bonés ou bolas de praia insufláveis, a questão é que caíam do céu e toda a gente corria para os apanhar. Tudo bem – concedo – pode ter acontecido uma única vez. É possível que a emoção tenha sido tal, que a memória tenha extravasado ligeiramente… Quem pode garantir o contrário? Mas lá que me lembro, ora essa, se me lembro! Havia coisas sobre o Verão que não se viriam a esquecer. O genérico da série “Marés vivas” (e as cenas de afogamento repetidas ao pormenor quando íamos à barragem). A voz do Eládio Clímaco a apresentar os Jogos sem Fronteiras. A excitação só proporcionada pela venda de rifas da feira da Achada e toda a tralha que de lá trazíamos. O incansável bolo “meia-lua” empurrado a Tang no aniversário da M. O cheiro a gasolina no barco. Os saltos que ele dava nas ondas quando o levávamos para a barra. A visão da senhora das bolas-de-berlim a aproximar-se com o cesto de verga debaixo do braço. Andar de bicicleta à noite pelo aldeamento. E, por fim, essa hipótese de um aviãozinho passar lá no alto e abrir as portas ao marketing. Ainda hoje, quando os vejo passar, acredito por breves momentos que irão começar a cair objectos. Só que hoje a mente põe-se a vaguear logo pelo consumismo descontrolado, os problemas ambientais e o ego desmedido de todos nós. Não sei se por esta ordem. Nem sei se isto são consequências de entrar no mundo dos adultos, se no mundo actual. Às vezes confundo-me. O último avião que vi trazia uma daquelas fitas presas à cauda onde se lia: “Português Suave – Um romance inesquecível”. O marketing, portanto, estendido ao ponto de nos apontar a leitura adequada à situação em que nos encontramos. Está na praia de papo para o ar? Então devia estar a ler a Rebelo Pinto! (é o que todos os outros estão a fazer) Algo deste género. Pasmei um pouco. Anúncios voadores a livros? Onde é que isto já se viu? Mas depois dei-me conta que, a quem pudesse ouvir a indignação ressoar dentro do meu cérebro, surgiria como uma octogenária estereotipada. Sejamos francos, muitas vezes os livros vendem-se pela capa. Escrever passou a ser também um negócio e, portanto, nada mais natural que seja tratado como tal. Produto a tornar atractivo e vendido à fartazana. Ou não? [a octogenária em mim bate o pé] O sucesso, afinal, não se mede em euros? [e franze o sobrolho, já zangada] Não sei. Com o tempo fiquei mais seca, tremendamente analítica e pouco do que o avião oferecesse me faria mexer uma palha. Mas a verdade é que há um instante muito preciso, um quase nada, uma fracção de fracção de segundo, em que oiço aquele som ao longe e descortino que se trata de um avião e, secretamente, se acende uma esperança, uma trémula sede de criança. Que já não é de brindes. Não é de t-shirts. Deixou foi de saber exactamente de que é.

10 comentários:

Jose Ruah disse...

Excelente resumo de "paisagens", vivencias e forma de estar.
Muito melhor post para 100º que o anterior.

Fiquei de agua na boca com a cesta de bolas de berlim. Não gosto de praia, mas quando a ASAE permitia as bolas, ia de proposito à Praia Grande para as comprar.

Continue a escrever que eu gosto de a ler.

Anónimo disse...

Partilho. Excelente post.

Bolas de Berlim eram as da Maria de Cascais, mas agora nem vê-las. E não por culpa da ASAE.

mac

Anónimo disse...

A trémula sede de criança...
A esperança que se acende...
Serão as bolas de berlim que estão a chegar?
Milhões de bolas de berlim caídas do céu...isso sim.
Julgo ser isto que estás a espera,e que te faria saltar e deixar a leitura da Rebelo Pinto!
Além do mais a ASAE teria muito mais dificuldade em controlar a distribuição.

Gostei muuuuuito do post, partilho a opinião dos outros leitores. Está fantástico.

Já sinto muitas saudades do nosso cafézinho matinal e das tertuliazinhas...com aquele qb de cusquice.Ainda só faltou o de hoje, e já não me consigo concentrar no trabalho.Como vou sobreviver???

Beijinhos enoooooormes
titiokrido

sara disse...

obrigada. :)

a ver se o próximo é sobre os preparativos para a Argentina (ainda falta um mês mas os blues começam a chegar...)

interessante ver como as bolas de berlim sobressaíram no texto, ãh? tudo de água na boca!

C.M. disse...

Partilhando a recordação comum, a bola de berlim.
Na praia da minha infância a atenção estava virada para o sonoro "Olhá ólinha árlim!" e era a este grito que nos juntávamos de imediato para assaltar a simpática senhora da cesta.
Entendo bem a octagenária indignada, a sociedade de consumo em que nos encontramos, fez coisas estranhas, a fúria de vender perverteu a real importância das coisas.
Adorei este post,
Beijinhos

calvinn disse...

Ficou-me na retina sem duvida os momentos televisivos, o que mostra que antigamente passava mais horas em frente a esse meio de destabilização temporal que agora. Mares vivas e os agora escolha. Eu ao contrario de ti, tenho na retina os milhares e minutos passados nos parques de campismo , os cheiros eram outros, sem duvida que eram outros.Em relação ao Avião, a imagem que passa vezes sem conta dentro da minha cabeça é discoteca tal tal tal bla bla bla hoje grande set do Dj coiso e tal, festa da espuma. Os livros, esses querem-se velhinhos e a " cheirar a amarelo" :)
e para terminar, sedes há muitas e pelos vistos a tua arrisco a dizer que é mais a de conhecer outras fronteiras.

atentamente
calvinn

Jose Ruah disse...

Voltando as bolas de berlim ! Vi no noticiário uma reportagem em que aparecia um vendedor de Bolas de Berlim na praia e fiquei siderado com o pregão:

" O mesmo sabor, agora embalado"

Bolas de Berlim embaladas!

A sociedade de consumo actual tem de facto algumas "bizantinices" que me espantam.

sara disse...

Ainda hoje me comentaram a bizarria de ir às Feiras em trás-os-montes e já não poder provar os chouricinhos partidos e dispostos em pratos para o efeito. Agora é tudo embalado. Ou se compra ou não se compra.
[Sinto-me num país de anormais... ]

Anónimo disse...

Tem graça, a mim quedou-se-me a retina no tang, o pensamento na infância e a consciência do presente.

MB disse...

Sara, parte da minha infância foi em Maputo e não me recordo de ver bolas de berlim por lá, apenas caranguejo e camarão... Lá também não havia brindes caídos do céu... só alguma ajuda humanitária em tempo de catástrofe natural que assolasse a região (porque as outras tragédias são diárias, mas essas não importam...) Agora já quase ninguém dá nada a ninguém e por isso, agradeço as tuas palavras simpaticas no meu blog.
Talvez "aquele som ao longe.. que se trata de um avião" seja o teu avião que te leva a uma longa viagem, noutro hemisfério, e "que acende uma esperança, uma trémula sede de criança" que certamente descubrirás o que é...
Beijinhos
Aproveita