28/12/07

já está

E agora vou à Escócia desligar a cabeça. Não sei se é a cabeça. Pouco interessa. Seja apenas que vou onde nunca fui, o que há-de bastar.


E se tivermos frio, logo surgirão simpáticos cavalheiros que oferecem os kilts sem hesitar.



A ideia que fica hoje:

Querer é bonito e não querer, enfim, não querer é visto com estranheza. As vontades definidas e os objectivos traçados são daquelas coisas que devemos trazer sempre à mão de semear - na carteira, no bolso das calças, escondidas no soutien... - não vá dar-se o caso de alguma autoridade competente fazer soar a sirene e pedir-nos para encostar. "Os comprovativos de ambição, por favor". E nós muito encolhidinhos (merda que os deixei em casa!). "Ah! E já agora a carta verde das motivações, a ver se está tudo em ordem". E o pessoal a remexer o porta-luvas, a apalpar debaixo dos bancos, a sorrir entalado para o senhor agente e oh! talvez esteja na mala!, onde se vai em seguida, já transpirando e antevendo a dura realidade: é que não estamos conforme.

Pagamos a multa.

Mas é só mais uma.

Fará diferença?


Um bom início de 2008 a todos os que passarem por aqui!! :)

18/12/07

não porque ande preguiçosa...

...mas sim um tanto ocupada, aqui fica um texto adaptado que me enviaram por mail. Alguns já conhecerão, mas o resto entretém-se. Só não percebi se o saltitar entre o "tu" e o "você" é obra do senhor Millôr ou uma tentativa anónima (e falhada) de aportuguesar a coisa. Anyhow, tá giro.


"Foda-se"
Millôr Fernandes


O nível de stress de uma pessoa é inversamente proporcional à quantidade de "foda-se!" que ela diz. Existe algo mais libertário do que o conceito do "foda-se!"? O "foda-se!" aumenta a minha auto-estima, torna-me uma pessoa melhor. Reorganiza as coisas. Liberta-me. "Não quer sair comigo?! - então, foda-se!" "Vai querer mesmo decidir essa merda sozinho(a)?! - então, foda-se!" O direito ao "foda-se!" deveria estar assegurado na Constituição. Os palavrões não nasceram por acaso. São recursos extremamente válidos e criativos para dotar o nosso vocabulário de expressões que traduzem com a maior fidelidade os nossos mais fortes e genuínos sentimentos. É o povo a fazer a sua língua. Como o Latim Vulgar, será esse Português Vulgar que vingará plenamente um dia.

"Comó caralho", por exemplo. Que expressão traduz melhor a ideia de muita quantidade que "comó caralho"? "Comó caralho" tende para o infinito, é quase uma expressão matemática.
A Via Láctea tem estrelas comó caralho!
O Sol está quente comó caralho!
O universo é antigo comó caralho!
Eu gosto do meu clube comó caralho!
O gajo é parvo comó caralho!
Entendes?

No género do "comó caralho", mas, no caso, expressando a mais absoluta negação, está o famoso "nem que te fodas!". Nem o "Não, não e não!" e tão pouco o nada eficaz e já sem nenhuma credibilidade "Não, nem pensar!" o substituem. O "nem que te fodas!" é irretorquível e liquida o assunto. Liberta-te, com a consciência tranquila, para outras actividades de maior interesse na tua vida. Aquele filho pintelho de 17 anos atormenta-te pedindo o carro para ir surfar na praia? Não percas tempo nem paciência. Solta logo um definitivo: "Huguinho, presta atenção, filho querido, nem que te fodas!". O impertinente aprende logo a lição e vai para o Centro Comercial encontrar-se com os amigos, sem qualquer problema, e tu fechas os olhos e voltas a curtir o CD (...)

Há outros palavrões igualmente clássicos.
Pense na sonoridade de um "Puta que pariu!", ou o seu correlativo "Pu-ta-que-o-pa-riu!", falado assim, cadenciadamente, sílaba por sílaba. Diante de uma notícia irritante, qualquer "puta-que-o-pariu!", dito assim, põe-te outra vez nos eixos. Os teus neurónios têm o devido tempo e clima para se reorganizarem e encontrarem a atitude que te permitirá dar um merecido troco ou livrares-te de maiores dores de cabeça.

E o que dizer do nosso famoso "vai levar no cu!"? E a sua maravilhosa e reforçadora derivação "vai levar no olho do cu!"? Já imaginaste o bem que alguém faz a si próprio e aos seus quando, passado o limite do suportável, se dirige ao canalha de seu interlocutor e solta: "Chega! Vai levar no olho do cu!"? Pronto, tu retomaste as rédeas da tua vida, a tua auto-estima. Desabotoas a camisa e sais à rua, vento batendo na face, olhar firme, cabeça erguida, um delicioso sorriso de vitória e renovado amor-íntimo nos lábios.

E seria tremendamente injusto não registar aqui a expressão de maior poder de definição do Português Vulgar: "Fodeu-se!". E a sua derivação, mais avassaladora ainda: "Já se fodeu!". Conheces definição mais exacta, pungente e arrasadora para uma situação que atingiu o grau máximo imaginável de ameaçadora complicação? Expressão, inclusivé, que uma vez proferida insere o seu autor num providencial contexto interior de alerta e auto-defesa. Algo assim como quando estás a sem documentos do carro, sem carta de condução e ouves uma sirene de polícia atrás de ti a mandar-te parar. O que dizes? "Já me fodi!" Ou quando te apercebes que és de um país em que quase nada funciona, o desemprego não baixa, os impostos são altos, a saúde, a educação e … a justiça são de baixa qualidade, os empresários são de pouca qualidade e procuram o lucro fácil e em pouco tempo, as reformas têm que baixar, o tempo para a desejada reforma tem que aumentar … tu pensas “Já me fodi!”

11/12/07

livros

Penso que é mal da idade: começam a ler-se vários livros ao mesmo tempo. Como consequência, os ditos vão-se acumulando em cima da mesa, à volta da cama – onde quiserem... – naquele processo conhecido como “a ocupação livral do espaço útil”. Pilhas de leitura começada e sem perspectivas imediatas de término vão medrando sem vergonha. Sempre tive na ideia que os livros são criaturas de parco embaraço. Confere.


Encetados no momento:

“A vida sexual da minha tia” de Mavis Cheek – relata as extraconjugalidades de uma mulher nos cinquenta com um homem de quarenta; giro, de fácil leitura e daqueles que agarram;

“Confieso que he vivido” de Pablo Neruda – as últimas memórias que o senhor escreveu; leio-o devagar, devagarinho, que é de coisa de substância; faz-me pensar e viajar;

“Our Inner Ape” de Franz De Waal – needless to say o quão genial considero este (para quem tem lido o blog e aturado as minhas conversas sobre bonobos, chimpanzés e pessoas); aos que têm curiosidade em conhecer melhor as raízes do nosso comportamento, aconselho vivamente; nada técnico, escrito para o público em geral e cheio de exemplos e histórias na primeira pessoa;

“Los refugios de piedra” de Jean M. Auel – quinto volume de uma saga sobre os humanos na pré-história (romance) que devorei na adolescência e que muito me frustrou não ter chegado ao fim porque não estava ainda escrito; descobri-o este Verão na fnac de San Sebastián e não resisti a comprar, mas desinteressei-me um pouco e ali está o triste, a meio...


Em vias de:

“Destructive Emotions” de Daniel Goleman – resultado de uma reunião de cientistas, filósofos e monges budistas que, durante uma semana, em 2000, discutiram o comportamento humano; tenho algumas expectativas nele;

“Por favor não matem a cotovia” de Harper Lee - sobre o racismo aos olhos de uma criança sulista, nos EUA, lá pelos anos trinta; prémio Pulitzer e, por enquanto, mais não sei.

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Quem tiver paciência/tempo que me comente os seus livros também! Os recentes, os antigos, os preferidos, os detestados, os de revelação, os de casa-de-banho... Adoro saber. :)

06/12/07

aniversários

Rara a pessoa que passa por eles indiferente, sendo que uns adoram e outros consideram a experiência desagradável, por um ou outro motivo. No meu caso, confesso, nunca fui grande fã. Tirando os anos da infância em que receber presentes e ter a casa cheia de gente me deixava verdadeiramente feliz, desde cedo que cada ano que passa me causa uma ligeira angústia. Não é por ficar mais velha, que essa noção nem sequer tem muito de real – não é de um dia para o outro que me transformo (ou talvez seja, mas decididamente não por fazer anos!). Há quem diga que é um dia em que se pensa muito em si próprio e que, havendo descontentamentos com a vida, eles saltam cá para fora menos controlados. Mas também não acredito que todo o santo ano – quase desde que me conheço – esteja descontente com a vida. Seria demais! Para além do que penso em mim própria e no lugar que ocupo no mundo dia sim, dia não.

Depois de muito ponderar, cheguei à conclusão que não gosto de fazer anos porque me sinto sozinha. Aquela atenção que nos dedicam em telefonemas, a cantar “parabéns a você”, a tratar-nos por “o nosso bebé”, resulta para mim como se me pusessem do lado de fora e me olhassem todos de dentro, sorrindo amigavelmente. É bom que sorriam e nos acenem, mas é ainda melhor fazer parte do todo, sem a segregação. Não gosto de me sentir de parte, que não partilhemos preparativos, detesto que segredem ideias para presentes e combinem encontros secretos para os comprar, onde eu não poderei ser incluída. Parece tonto? Pois que seja. Gozo com a M. por chorar quando lhe cantam os parabéns mas entendo-a perfeitamente. É o símbolo último dessa solidão de fazer anos: uma multidão alegre que canta, fixando-nos, enquanto somos forçados a ficar calados e suportar todo e cada olhar que se nos dirige. Socialmente, trata-se de uma exposição considerável e, para mim, um pouco agressiva.

Depois há os telefonemas vários de todas as pessoas com quem falamos uma vez por ano e nos lançam aquele género de perguntas “então, que andas a fazer agora?”, às quais nos apetece imediatamente desligar o telefone, nem que seja por exaustão (que andamos desde manhã a resumir a vida em capítulos hiper condensados para satisfazer quem liga). Neste dia vão-nos dar atenção de um modo quase exigente, vão querer saber que planos temos, porquê, onde e com quem. E nós temos que o permitir. Se organizamos um jantar, a lista de convidados tende a extender-se ao triplo do desejado porque “se vai este, então tem que vir também o outro” e, no final, sentar as pessoas de modo a que toda a gente tenha parceiro adequado e se sinta bem é outro desafio. A noite é passada a saltitar de um lado para o outro para se conseguirem dois dedos de conversa com cada um e, bem vistas as coisas, sabe sempre a pouco. Eu não sou assim, saltitante. Mas, como se faz anos, é suposto estar-se nas nuvens. Veste-se essa carapaça (é só mais uma) e amansam-se as expectativas sem fazer ondas. Então, se por um lado gosto muito do dia sete e o associo sempre a mim e à bisavó desconhecida que me deixou o nome, por outro lado também é verdade que ele acaba por ser um símbolo de solidão.

Há histórias engraçadas de aniversários aí fora para contar? Aqui em casa repete-se aquela do dia em que eu, com seis ou sete anos, me casei em cerimónia pomposa com o namorado da altura, um tal de Bruno, segundo orientação e preparativos da Ilda, a nossa empregada na época (personagem com muito que se lhe diga). Vestiu-me de branco, pintou-me e arranjou até pétalas que todos os miúdos lançavam, delirantes. O Bruno, também muito divertido, vestia um casaco do meu pai que lhe ia até aos pés. Do resto já não me lembro bem, mas creio que chegámos a ter um filho, se é que ele não ia já enfiado debaixo do vestido na altura do casamento. Algum dos presentes se lembra deste pormenor? Vindo da Ilda, é bem possível.

Trago também algumas recordações das festas em que a minha madrinha aparecia mais cedo e insistia em fazer a decoração da sala com grandes laçarotes por todo o lado. Como imaginam, sempre fui muito dada a essas coisas e não me envergonhava absolutamente nada quando as minhas amigas apareciam...

Bem, mas este ano a M. acabou de receber o primeiro ordenado e calcorreámos o Colombo há uns dias para ela dar provas da sua dedicação fraterna. E que bem que lhe ficou. Já compensa alguns telefonemas, senão mesmo um parabéns a você!

05/12/07

dúvidas assim-assim

Gerir este estabelecimento só tem um pequeno senão. É que se se passa mais de alguns dias sem escrever, logo surge um indignado: “atão!?” (o rolo da massa mal escondido atrás das costas). Dantes incomodava um pouco – essa ideia de não estar a cumprir expectativas – mas com o tempo a pedrinha saltou do sapato. Claro que, para mim, este espaço só faz sentido se for para ser lido e, de preferência, comentado. De outro modo guardam-se as ideias em cadernos e gavetas. Caixas de sapatos. Ou então é largá-las algures no fundo de ouvidos atentos.

Também tenho a noção de que para cada acção existe um reacção e, na ausência de novidades, o interesse esmorece. Regra absoluta, que aceito prontamente, sem amuos.

Apesar de a minha real gana estar mais ou menos virada para outro lado, vejo-me esta noite “obrigada” a escrever uma pastelada qualquer. A causa é nobre e fraterna: M. enfrenta diariamente significativa percentagem de tempos mortos no escritório – karma desgraçado – e nesse seu ócio forçado, dedica-se a bonitas leituras electrónicas (como a que deste blog resulta!). Então, com todo o meu amor para M., aqui fica algo com que gastar cinco minutos. Pensando bem, por cinco minutos não é uma grande ajuda...

Comentava outro dia aqui a Sinhora Maria, amiga recém-bloguista, que uma das grandes questões com que se depara actualmente é “qual a relevância da minha tese?”. Deixou a coisa mais ou menos em aberto, sublinhando que não deixa de delirar quando descobre índices novos (cambada de nerds que eu conheço, chiça!..). Mas a questão que nos exibe Sinhora Maria parece-me, em si mesma, de particular relevância. Está longe de ser a primeira vez que a ouço e suponho que ainda mais longe de ser a última. Por coincidência ou não, ainda há uns dias recebi um mail deste gajo, como resposta a um artigo que lhe tinha enviado e que, segundo o próprio, o fez passar uns dias a pensar “porque raio é estou a fazer um doutoramento e onde é que isto me vai levar?”. As vezes que eu própria enfrentei a pergunta este ano foram algumas. Porquê? Para quê? Acho engraçado que a dúvida e a inquietação surjam com tanta frequência em quem se dedica à investigação e em tão menor grau no resto da população. Não me parece que seja apenas o factor económico e a instabilidade do sistema de remuneração por bolsas a dar o mote. Um doutoramento dura quatro anos, o que talvez não seja garantia menor do que a oferecida pela maioria dos empregos actualmente, para quem quer começar a trabalhar. Porque é que passamos o tempo a questionar-nos se vale realmente a pena, se tem utilidade, quando as pessoas que atendem telefones, analisam leis, criam soluções informáticas, limpam casas-de-banho, vendem imóveis ou dobram camisolas na Zara, parecem fazê-lo com tanta tranquilidade e aceitação? Sinceramente ainda não percebi porque é. À minha volta toda a gente aparenta estar segura da utilidade daquilo a que se dedica. Precisamos de casas para viver e de telemóveis para falar, de trocas comerciais e de toda a gestão, marketing e publicidade que daí advêm. Precisamos de informação, de garantir justiça, de saudinha para cá andar e de manter tudo nos conformes, dentro das normas que criámos para o efeito. Tudo bem, parece até haver um sentido comunitário. Mas individualmente, o que mantém as pessoas? A senhora que atende telefones dia após dia, o que a mantém? Ou mesmo a que gere a sua empresa, teclando no excel até altas horas da noite, o que a mantém? Porque não duvidam elas daquilo que fazem? Como é que se aceita? Como se transforma uma ideia, um conceito de necessidade, na repetição imensa dos dias? A mim faz muita confusão.

Para animar, parece que a felicidade está nas pequenas coisas. Por exemplo, não é por se substituir um peugeot 205 (grande máquina, por sinal) por um porshe que o nosso standard de felicidade se eleva. O que acontece é uma explosão de bem-estar na altura da aquisição e logo um rápido regresso aos valores de base. O que nos faz realmente sentir bem são os pormenores do dia-a-dia: um banho quente, uma refeição saborosa, umas gargalhadas, um passeio descontraído e, assim como assim, uns minutos de leitura...



(no meu caso, apanhar um gavião a jeito também surte efeito)