Preciso de alguém que me diga que os médicos se preocupam com os doentes. Preciso que me assegurem de que não há um sistema ao qual se acomodam por conforto, descurando aquilo que devia ser o motor da sua actividade: o cuidado com os outros.
Na nossa terra um médico é muito, mas muito mais, que um profissional de saúde. Conheci um estudante de medicina espanhol que passou cá um ano e que se mostrava sempre surpreendido com o “mito dos doutores” em Portugal. Não compreendia porque havíamos de considerar mais um médico e dar-lhe mais regalias do que a um bancário, a um engenheiro mecânico ou mesmo a um veterinário.
Bem sei que tratam pessoas, mas também os enfermeiros! Bem sei que estudam muito para conseguirem resolver problemas, mas por isso são bem pagos (embora raramente o assumam ou, talvez, sequer tenham consciência disso).
Ontem perguntei a um desses seres supra-humanos porque é que tinha deixado parte da tripa do meu avô cá fora com um golpezinho por onde sai merda. Olhou-me como se eu fosse de outra dimensão. Como se o suposto para o comum dos mortais fosse ver uma bola de intestino e ficar calado, acatando as decisões da bata branca.
Condescendente e a suspirar, acabou por me resmungar qualquer coisa desconexa e nitidamente a despachar. Que não percebi. Mais tarde um Non medicis vulgaris tratou de me explicar que efeito surtia aquele aparato.
Hoje a minha avó foi a uma consulta ouvir um discurso sobre as coisas erradas que tem andado a fazer na sua recuperação. Quando, há um mês, saiu do hospital com um colete vestido, umas receitas de medicamentos, e nenhuma recomendação! Quando tivémos que andar a telefonar para médicos amigos para que nos informassem dos cuidados a ter! E, como se não fosse suficiente, ele diz-lhe ainda “tem de parar com as quedas, que a senhora já não tem idade para estas coisas”. Não é surreal? Sim, de facto, a minha avó tem um gozo especial em cair e fracturar o que quer que seja, mas se calhar o melhor agora é mudar de actividade. Com 87 anos pode-lhe começar a fazer mal. Talvez crochet ou leitura sejam mais adequados...
As horas que nos deixam à espera, os maus modos com que às vezes nos minimizam as dores, o gozo com que comentam os doentes “rídiculos” entre si, tudo isto me faz saltar a tampa. Fazem-no porque podem, porque se desligam da nossa humanidade e nos tratam como casos. Não há consequências.
Só que nós não somos só casos e eles não são só cientistas. Deveriam senti-lo, para além de o saber, mas isso não acontece. É que a eles ninguém trata como casos, estão sempre bem protegidos pelas muralhas dos seus canudos, pelas posições dentro de clínicas e hospitais e por todos os amigos doutores que vão fazendo pelo caminho.
Não vou esmifrar aqui todas as histórias pessoais que poderia contar. A verdade é que, ao longo da vida, tenho conhecido mais médicos estúpidos do que dedicados. E o engraçado é que a medicina, como actividade, é estimulante, poderosa e nobre. Por isso, talvez só as pessoas com essas mesmas qualidades a devessem exercer. Assim de repente consigo pensar em três ou quatro (e a essas, como é óbvio, não dirijo o discurso), mas, de qualquer modo, parece-me um número extraordinariamente baixo.
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2 comentários:
A prática médica é um serviço, tal como qualquer outro. É pago e pede-se recibo, mesmo sendo por vezes nesse caso o valor da factura aumentado. A classe médica portuguesa estuda em escolas estatais e, mal ou bem, terá emprego assegurado. Se não é assim que se passa que me expliquem, mas TinTin por Tintin, podendo começar pelo Ceptro de Otokar um dos meus favoritos. É claro que um jovem médico passa petiscos valentes, só que quando cresce esquece-se, e passa para outro discurso. Há uns anos parti um braço aos bocados. Hospital com ele e toca a preparar para ser operado. O ortopedista homem de enorme competência chegou muito tarde, e depois de ver a radiografia disse: Operar? Nem pensem, já viram as horas que são?
O homem era mesmo bom, sentou três enfermeiras em cima e mim para servirem de lastro, e lá compôs o bracinho. Ao voltar do raio X olhou para o resultado, nem olhou para mim e afirmou: Você teve sorte, isto está catita.
Realmente ficou, só que a frase da sorte ficou também e para sempre. Os professores já foram. Os padres estão a tentar ver uma saída e os juízes apuraram. Os médicos estão de cabeça perdida pois ainda se comportam como sendo crianças mimadas, e ao olharem para o estrangeiro onde os médicos não vão de férias para não perderem clientes para colegas, até lhes falta o ar.
A título de curiosidade no passado ano estava em França, e um colega perto de Paris teve de ir a um dentista. Sitio óptimo, com relva à volta, uma extracção de um siso complicada e uma radiografia: 36,00 euros. Com recibo bilingue.
O mais estúpido em tudo isto é que no geral são gente competente, só que a porra dos Audis e BMWs fazem-lhes perder a razão. Ainda por cima nem se apercebem que os Audis e BMWs eram há uns anos chamados de DKWs e Isettas, coisas que em nada lhes dariam estatuto. Ainda por cima por causa de ambas as marcas, tal como a Bentley convenhamos, produzirem carros recicláveis, nem sequer vão ter o orgulho de os deixar aos netos.
Will & Abe, advogados.
S� posso voltar a referir o que sempre defendi: as m�dias de 19 valores de entrada na faculdade n�o fazem bons m�dicos. Penso que este � o inicio do descalabro... N�o dever�amos ser mais exigentes? E mesmo assim rimo-nos do Doctor House...
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