25/07/07

a ver se percebem

Há algumas chatices que advêm de se ser curioso e idealista. Uma delas é descobrir a Hipótese da Origem da Vida de Oparin-Haldane e logo depois a teoria da Evolução de Wallace-Darwin e acabar a ser biólogo. Uma maçada. Um fascínio adolescente pelos mistérios da vida, pela relação entre as coisas, pelos motivos básicos de tudo o que somos e, talvez não menos, por essa beleza estúpida que só a natureza consegue ter.

Vai-se estudando, vai-se aprendendo aqui e ali e descobrindo, pouco a pouco, os assuntos que nos arregalam o olho e enchem as medidas. Nada será tão fantástico como o dia em que descobrimos a selecção natural, claro, mas a etologia virá dar uns ares de graça lá para o fim do curso e tudo irá de feição. Certezas, tantas certezas...

É encantador ser-se biólogo. Não só para quem o é, mas para todos os que vêem de fora e romanceiam vidas de ar livre, aventura e bichinhos a comer-nos nas mãos. O filme não é bem esse... Mas não deixa de ser um encanto andar no campo, tentar entranhar-se na vida dos animais que se estuda ou, simplesmente, olhar para tabelas de significância estatística que nos dizem “sim, tinhas razão” (ok, ok, isto da estatística perfeitinha não acontece propriamente comigo).

Ao fim de pouco tempo começamos, no entanto, a dar-nos conta de uma séria limitação: é que a investigação raras vezes dá dinheiro. E é ver-nos então “ó-tio-ó-tio, que eu até gostava de sair de casa dos meus pais mas não me apetece nada ir viver para debaixo da ponte!”. Pois é. Mas pior, é ver colegas bastante mais velhos “ó-tio-ó-tio, tenho dois filhos e fiquei sem bolsa!”.

Uma pessoa põe-se a matutar... Adoptar ou não adoptar o desenrascanço como modus vivendi? Multiplicar-se em funções e ocupações menos especializadas para sustentar o tal fascínio?

Volto imediatamente ao caldo primitivo e àquela malfadada aula, às carteiras de madeira em que a mesa e o assento eram um só e o tampo se levantava para dar arrumação aos livros, à janela aberta para uma Duque d’Ávila apressada, ao sol que inundava toda a sala, aos meus amigos empurrando-se para a porta após o toque e aos Pearl Jam a gemer baixinho no walkman. “Oceans” era a música que ouvia no momento em que percebi que havia coisas definitivas. Uma delas, é que estudaria biologia.

Aquilo que estudamos deixa marcas fundas e estou segura de que parte do que sou, o devo a essa formação. O resto é coisa de condição inata, sou bastante fraca em matéria de “a vida é dura”. É dura, a vida? Acredito. Ouço dizê-lo a propósito de nada e de tudo. Mas, ao ouvi-lo, ao vê-lo, a vontade que me dá, não é a de vencer. Quero lá saber de vencer! Só gostava de compreender.

(visitem-me depois debaixo da ponte e contem-me histórias...)

2 comentários:

Anónimo disse...

fácil, vai à ucrania, pede cidadania de lá, é só pagar-lhes uma ninharia, apanha o avião de volta em low cost e vai trabalhar até às 14:00 numa geladaria, engomando roupa da parte da tarde. O mestrado em biologia é aceite com habilitação suficiente para ambas as tarefas.

Svetlana Hirchenko

Anónimo disse...

Sara....!!! Sim, completamente!!!

Impossível de lhe escaparmos, a esse espicaçar das coisas vivas, a provocar sem piedade a nossa curiosidade adolescente pela sua origem, significado e consequências.

Apesar de andar agora a perseguir o "capital" em vez de bichos, ou plantas -essas ultimas mais faceis de apanhar- há cá sempre algo que faz "click" quando se passa ao lado de uma floração inesperada, de uma folha desconhecida, de uma espécie estranhíssima!...

...E não se resiste, nem se poderia resistir. Porque o nosso "biólogo interior", já pegou, olhou, desmontou, estudou e -animadíssimo como um puto- relata aos mais incautos, em tom de cátedra, a maravilha do que tem em mão... a ver se percebem!

Geralmente eles nao percebem, mas acham-nos muita graça.

Beijinhos muito biólogos

JB