À mesa do jantar, em Mangualde, com os meus avós.
- Oh, que pena, é hoje a marcha do orgulho gay e eu não posso ir...
Levantam a cabeça em simultâneo, ele solta uma gargalhada daquelas que são de sopro - vêm do pulmão, rebolam na garganta e acabam por sair pelo nariz, não sei bem como.
- Olha que ponto! Então tu querias ir lá? Palavra?
Leio-lhes a curiosidade nos olhos. Um pouco de incredulidade também.
- Sim, todos os anos quero ir mas acabo por deixar passar o dia sem querer – respondo, enquanto me sirvo de salada e finjo a inocência da provocação. Ela é menos controlada no comentário:
- Filha, mas assim podias ser confundida! Há-que ter cautela.
Eu rio-me. Mesmo estando à espera, divertem-me sempre estas sinceridades.
- Pois é – digo – e depois corria o risco de ser atacada por uma tresloucada qualquer, não era? Aquela gente é perigosa!
Ela entende o meu gozo, que não é parva nem tão surda assim.
- Bem... Não é isso... (gagueja um pouco como lhe é típico nestas situações)
Ele encontra espaço para a sua piada:
- É que aquilo pega-se, é contagioso. Uma pessoa não pode ir para lá misturar-se que sai virada – e ri-se. Rimo-nos todos.
A conversa estende-se pelo mal que acham fazer-se uma marcha pelo orgulho gay, como achariam de qualquer outra marcha de orgulho. Não chego a perceber porquê. Mas convenço-os (ou penso que os convenço) de que tem validade pedir direitos iguais. É que, felizmente, o mundo já não é aquele em que o filho da senhora não-sei-quantas, que era um homem tão gentil e sensível, se suicidou porque o “grande amigo” o deixou para se casar com uma mulher.
Pois não... Hoje conheço resmas de não-homofóbicos. Pessoas que “não se escandalizam nada com os homossexuais, desde que estes não sejam bichonas nem se manifestem em público”. Ou seja, tudo bem que se assumam e vivam juntos, mas que não me apareçam à frente de mãos dadas e muito menos arrisquem um beijinho, que isso é um nojo e eu não tenho que ver! Tudo vai bem com conta, peso e medida, condicionadinho como se quer. Caso contrário faço-te cara feia e grunho-te um despautério. Ou volto indignadíssimo para casa.
A liberdade é mais ou menos isto, não é?
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
6 comentários:
Para já é como diz. Actualmente usa-se a expressão “tolerante para com a diferença”. Não se põe ao mesmo nível, mas pode-se negociar com. Em Espanha, por exemplo, os não heterossexuais já detêm boa parte do poder económico/financeiro, pelo que temas como o casamento ou adopção de crianças foi aceite pelo poder instituído, como moeda de troca para outras coisas. Não creio que em tão diferentes conceitos, que teem a ver estritamente com o desejo e coisas dessas complicadas, alguma vez se chegue a acordo. Vão é ter de se entender como o Berardo e o rapaz Mega. Na Póvoa de Varzim, a grande mudança deu-se há uns anos, quando pastelarias tradicionais como a Doce Póvoa e outras, passaram a ter para pôr nos bolos de noiva pequenos casais de Gays, lésbicas e pretinhos, com e sem bigode. No norte não se brinca com o dinheiro, aliás como me disse o tipo do café com quem comentei tal abertura: "que temos nós a ver com isso, a peida é deles". Para o norte, percebi depois, as lésbicas nada teem de mal e até ficam mesmo catitas nos filmes porno.
Afilhada de A.
Orgulho gay ? Porquê ? Não há marchas de orgulho hetero que eu saiba. Nem tem que haver... Cada um é como é, ou nasce, ou acontece, ou quer e não têm que orgulhar-se ou deixar de se orgulhar. Como um é como é ! E se quer inserção social não precisa de marchas, nem verbas para o cinema gay ???
Assim como não foi a queimar soutiens que as mulheres ganharam o seu lugar na sociedade. As que lá chegaram foi porque mostraram merecer por inteligência e trabalho.
Não à vitimização !!
Falar é fácil, Sara Cortez.
"Ah e tal, eu gostava de ir à marcha do orgulho gay..." E porque é que não foste?
Eu fui arrastado para a "Gay Parade" de Amsterdão. Era amor para dar e vender... Mais de um milhão (!!!) de gays pela cidade, já sem contar com a restante multidão que lá foi só para ver o espectáculo e divertir-se. Isso sim, é um desfile à séria. Soubesse eu que eras "só garganta", arrastava-te a ti e aos vóvós para o arraial homossexual. Maricas!..
Sim, em Amsterdão suponho que seja um desfile "à séria", mas se pensarmos sempre que aqui não vale a pena, então nunca se passará de uma manifestação chôcha.
E não é garganta, iria mesmo. Estava em Mangualde nesse dia! :)
Oh mac, não resisto a responder-te: não à hipocrisia! As chamadas de atenção são importantes para quem se sente menos bem tratado. Quando as mulheres queimaram os soutiens, muitas outras se sentiram compreendidas e apoiadas. Só isso já fez diferença. Parecem-me fases de um processo. Primeiro reage-se em força, depois vão-se equilibrando as coisas...
Quanto à "vitimização" é-me difícil opinar. A elasticidade da empatia não chega lá, acho que só quem passe por isso sabe o que se sente. Interpretar do alto da nossa maioria não conta muito.
Mas que grande discussão que vai aqui!! Que o tema é polémico já todos nós sabemos e é bom trazê-lo à baila.
Já agora todos nós somos livres de expressão e sentimentos, mas quanto às manifestações gays, que têem todo o direito de se manifestarem, só é pena que os próprios não levem o assunto à séria, mas sim para o rídículo!, tal como os travestis, que ficamos sem saber se na realidade se querem assumir ou sómente provocar. Pois são os primeiros a verem-se e mostrarem-se como aberrações!!
Neste caso, como em todos outros, até acho que as mulheres são muito mais "corajosas". Vejamos os casos da Stephie Graff e a outra actris, que agora não me lembro do nome, que já adoptou 2 crianças, levando a sua vidinha na boa.
Uma coisa é a defesa dos direitos e igualdade, outra é "carnaval"!
Quando os próprios se derem ao respeito talvez as mentalidades mudem.
Sim, eu entendo essa do carnaval... Não sei como foi o desfile cá, mas suponho que mais low profile do que aquele a que o gandamaluko assistiu.
Acho que não devemos julgar. Mas talvez tenhas razão, talvez se torne dificil respeitar uma causa quando esta é defendida com um espalhafato provocador. O importante é não generalizar, não rotular. Uns são quase agressivos no seu orgulho mas outros levam, como dizes, a vidinha na boa e querem apenas dar a cara numa marcha que lhes parece válida.
Custa sentir que se é diferente, não conseguir fazer parte, encontrar a desaprovação dos outros. Custa, não custa? Tantas vezes nos bastam pequenos nadas para que nos sintamos à margem... Como não solidarizar?
E a verdade é que me encantam as diferenças. Arrastam consigo um turbilhão imenso de porquês a pedirem resposta.
Enviar um comentário