Já tentaram definir um cheiro? É complicado, não é? Quando toca a odores, parece que temos poucos adjectivos à disposição. Nada comparável com o que se passa com a visão. O costume é acabarmos por recorrer a cheiros já conhecidos e dizer que é mais ou menos como isto ou aquilo. Ou, num atrevimento de imaginação, misturar essas memórias odoríferas, e tentar, pelo menos, uma maior aproximação ao real.
Ontem dizia eu à minha avó:
- Têm que ir conhecer os Açores porque vale a pena, lava os olhos e enche a alma! E além disso há aquele cheirinho…
- Ai sim? Cheira a quê? – perguntou-me logo, como se quisesse imaginar tudo ao pormenor para formar um quadro mental perfeito.
E eu hesitei. Como é que se define um cheiro outra vez?
- Bem, a mim cheira a fresco, a humidade fresca (notem a redundância) e a verde (o cheiro de uma cor, portanto!).
Não fiquei muito convencida comigo própria… Ela levantou os olhos para procurar, por momentos, esse horizonte açoriano. Voltou a querer saber:
- É como a relva cortada?
- Não é bem isso. Cheira a plantas sim, mas é mais doce (tentei). E cheira a mar também. Mistura-se tudo nessa humidade que está em todo o lado.
- Ah… - aceitou, pensativa - Olha, uma coisa de que tenho muitas saudades é o cheiro de Luanda! Não era bom António?
O meu avô estava com a atenção na televisão.
- António, estás a ouvir? – insistiu ela.
- O quê, o quê? Os alemães o quê? – respondeu de repente (e a eterna piada do alemão que ainda não cheguei a perceber).
- Se te lembras do cheiro de Luanda?
- Ah, lembro. Mas olha que não era grande coisa… Cheirava a farinha quente.
Cheirava-lhe a farinha quente!
E com esta, I rest my case.
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17/08/08
08/08/08
Anita burricando
Repeti este ano uma experiência de há dois anos. Quatro dias em terras de Miranda, debaixo de um sol abrasador, em companhia de burros, gaiteiros, gentes de fora e locais dispostos a receber. O passeio é co-organizado pelo grupo de música tradicional Galandum Galundaina e pela AEPGA (Associação para ao Estudo e Protecção do Gado Asinino) que, como o nome indica, se dedica a não deixar morrer esse património genético que é o dos burros de Miranda e que, por tal boa causa, vai promovendo a animação no planalto mirandês.
À chegada a Miranda do Douro, pela noite da véspera, é altura de inscrições e põem-se logo os gaiteiros a tocar. Para quem vai pela primeira vez e não está habituado ao som das gaitas e a ter os músicos (determinados) sempre ao lado, dá logo uma certa emoção. Vai-se ficando por ali, os roncos a ecoar, a cerveja a ser servida para os canecos, soltam-se “olá, tudo bem?” a caras conhecidas, uns e outros mais afoitos encetam bailaricos, a noite está morna, tudo vai bem.
No primeiro dia de real burriquice deslocam-se as boas almas para uma das aldeias e ocupa-se o tempo com workshops de dança, de pauliteiros, de língua mirandesa, de maneio de burros ou de gaitas e precursão - é à escolha do freguês. Alguns metem-se logo na tasca mais próxima (não vou dizer quem, que o barbudo ainda me vem acusar de queixinhas!). Os dias seguintes são já para se passar em caminhada. Cada grupo acompanha um burrico e, quem quer, vai alternando para montar. O olhar, esse, vai-se perdendo nas searas, nos lameiros delimitados por toscos muros de pedra, no feno enrolado em cilindros, nesses campos amarelos pintalgados de carrascos e pedras, e reserva-se na memória – não tenho dúvida – o contraste magnífico das cores mirandesas. Claro que há pó. Um imenso calor. Pernas que, às tantas, precisam de ir em piloto automático para se moverem. Há cansaço, sede, burras teimosas e gaitas que, inexplicavelmente(!!) dentro dos tímpanos, às vezes apelam ao silêncio. Mas a experiência vale essa pena. Até caminhar atrás de um burro a quem dá um súbito ataque de diarreia é coisa que se vê compensada pelos sítios, as vistas, os ares e as gentes.
O que me espanta, ao voltar de locais como este, é a fraca ligação que pessoas como eu têm à sua terra. Ao seu lugar. Dá a sensação, depois de conhecer gente rural, que flutuo com suavidade por cima do solo, sem nunca lhe tocar, sem nunca ele me agredir, nem tão pouco me oferecer o que seja. Não o conheço. Para ele sou invisível. É verdade, para uma Lisboa sou absolutamente invisível! Não consigo sequer deixar uma pegada - dada a calçada e o alcatrão a perder de vista. E é normal que assim seja, estou rodeada por um milhão de lisboetas igualmente invisíveis. Parece que da cidade só tiro, só percorro, só aproveito miradouros, cinemas, cafés, bares… E nada dou. Por estranho que pareça, quem não dá sente-se vazio.
Mas voltando à burricada! É revigorante conhecer um grupo de gente nova que se preocupa em manter viva a sua cultura. Por banal que isto soe, é verdade. Como prova disso, somos acompanhados por várias crianças locais que também tocam os bombos, as gaitas e as pandeiretas que nem gente grande – para além de controlarem os burros, coisa que nós não conseguimos, de todo, fazer. Arre, arre burrica, em frente! [e a gaja decide comer umas ervas apetitosas mesmo ali ao lado]. Wow, wow, devagarinho… [e ela arranca desembestada, dando encontrões a torto e a direito, porque a outra burra, que é a sua maior amiga, vai lá para a frente]. Seguimos assim, de aldeia em aldeia, falamos com os antigos, levamos a confusão e a festa e parece-me que a maior parte deles gosta. Alguns burriqueiros vão armando tendas e dormindo nos locais de paragem, outros, depois do arraial, metem-se na camioneta que os leva de volta ao parque de campismo (no meu caso foi mais a kangoo da SemNexo, feita T0).
No dia seguinte era mais do mesmo. No total palmilhámos o percurso: Constantim – Póvoa – Malhadas – Pena Branca – Miranda do Douro. Não faço ideia da distância. Só sei que, mais uma vez, foi uma curtição.
Obrigada à companhia!
À chegada a Miranda do Douro, pela noite da véspera, é altura de inscrições e põem-se logo os gaiteiros a tocar. Para quem vai pela primeira vez e não está habituado ao som das gaitas e a ter os músicos (determinados) sempre ao lado, dá logo uma certa emoção. Vai-se ficando por ali, os roncos a ecoar, a cerveja a ser servida para os canecos, soltam-se “olá, tudo bem?” a caras conhecidas, uns e outros mais afoitos encetam bailaricos, a noite está morna, tudo vai bem.
No primeiro dia de real burriquice deslocam-se as boas almas para uma das aldeias e ocupa-se o tempo com workshops de dança, de pauliteiros, de língua mirandesa, de maneio de burros ou de gaitas e precursão - é à escolha do freguês. Alguns metem-se logo na tasca mais próxima (não vou dizer quem, que o barbudo ainda me vem acusar de queixinhas!). Os dias seguintes são já para se passar em caminhada. Cada grupo acompanha um burrico e, quem quer, vai alternando para montar. O olhar, esse, vai-se perdendo nas searas, nos lameiros delimitados por toscos muros de pedra, no feno enrolado em cilindros, nesses campos amarelos pintalgados de carrascos e pedras, e reserva-se na memória – não tenho dúvida – o contraste magnífico das cores mirandesas. Claro que há pó. Um imenso calor. Pernas que, às tantas, precisam de ir em piloto automático para se moverem. Há cansaço, sede, burras teimosas e gaitas que, inexplicavelmente(!!) dentro dos tímpanos, às vezes apelam ao silêncio. Mas a experiência vale essa pena. Até caminhar atrás de um burro a quem dá um súbito ataque de diarreia é coisa que se vê compensada pelos sítios, as vistas, os ares e as gentes.
O que me espanta, ao voltar de locais como este, é a fraca ligação que pessoas como eu têm à sua terra. Ao seu lugar. Dá a sensação, depois de conhecer gente rural, que flutuo com suavidade por cima do solo, sem nunca lhe tocar, sem nunca ele me agredir, nem tão pouco me oferecer o que seja. Não o conheço. Para ele sou invisível. É verdade, para uma Lisboa sou absolutamente invisível! Não consigo sequer deixar uma pegada - dada a calçada e o alcatrão a perder de vista. E é normal que assim seja, estou rodeada por um milhão de lisboetas igualmente invisíveis. Parece que da cidade só tiro, só percorro, só aproveito miradouros, cinemas, cafés, bares… E nada dou. Por estranho que pareça, quem não dá sente-se vazio.
Mas voltando à burricada! É revigorante conhecer um grupo de gente nova que se preocupa em manter viva a sua cultura. Por banal que isto soe, é verdade. Como prova disso, somos acompanhados por várias crianças locais que também tocam os bombos, as gaitas e as pandeiretas que nem gente grande – para além de controlarem os burros, coisa que nós não conseguimos, de todo, fazer. Arre, arre burrica, em frente! [e a gaja decide comer umas ervas apetitosas mesmo ali ao lado]. Wow, wow, devagarinho… [e ela arranca desembestada, dando encontrões a torto e a direito, porque a outra burra, que é a sua maior amiga, vai lá para a frente]. Seguimos assim, de aldeia em aldeia, falamos com os antigos, levamos a confusão e a festa e parece-me que a maior parte deles gosta. Alguns burriqueiros vão armando tendas e dormindo nos locais de paragem, outros, depois do arraial, metem-se na camioneta que os leva de volta ao parque de campismo (no meu caso foi mais a kangoo da SemNexo, feita T0).
No dia seguinte era mais do mesmo. No total palmilhámos o percurso: Constantim – Póvoa – Malhadas – Pena Branca – Miranda do Douro. Não faço ideia da distância. Só sei que, mais uma vez, foi uma curtição.
Obrigada à companhia!
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