30/06/08

o tal concerto

Acabou por ser assim, decidimos ir as três estarolas à última da hora. Liguei a reservar mais um bilhete, ao que me respondeu a voz do outro lado: “não é preciso, há muitos lugares”. A ideia preocupou-me. Apressei o dia aquilo que pude e voltei para casa com a estarola terceira, a fim de mudar de roupa e jantar com leveza. Torceu o nariz arrebitado sem cerimónia ao cuscuz que lhe cozinhei. Ó senhores, vá de hambúrguer no pão! A estarola segunda chegou entretanto, maldizendo a vida e a infinita lata masculina. Durante o jantar tratou de expurgar a neura, dando-lhe um formato verbal que, tanto eu como a terceira, ouvimos quase em silêncio. Ruminando.

Desde o início da tarde que me sentia um bocado nervosa sem motivo. Ansiosa. Como se fosse euzinha subir ao palco essa noite e enfrentar um público. Como se a mim afectasse directamente o volume de audiência que, ao que parecia, ficava muito aquém das expectativas. Sempre fui assim tonta, a encaixar problemas alheios (até os que por auto-recriação vou inventando). Quando, nas aulas, os professores davam uma descasca em alguém, os meus olhos colados na mesa não conseguiam mexer-se. Um sufoco idiota. Mas pronto, nesse dia, estava tensa com o espectáculo. Depois do jantar, despachámos a cena mudança-de-roupa-e-demais-coqueterias com relativa rapidez. E foi de tal modo rápido que consegui fechar uma porta em cima do dedo indicador. Fabuloso! Num daqueles ataques que me tomam quando a dor estala, dei um senhor pontapé na porta culpada, deixando as estarolas boquiabertas a olhar para mim, enquanto fugia para a varanda agarrada ao dedo. Que aqueceu, desatou a latejar. E eu, respirando fundo e procurando na casa-de-banho uns minutos de água fria, vi-me obrigada a pedir : “M., vais-me buscar um saco com gelo?”. Portanto, acabei por sair de casa com o dedo enrolado num pano verde alface que envolvia uma bolsinha de gel frio. Lindo.

Chegadas ao Coliseu uma hora antes do concerto, à cause dos bilhetes, encontrámos o espaço às moscas. Fomos entrando, subindo, sorrindo, aceitando revistas e panfletos, e acabámos por nos sentar no chão, lá no alto no piolho, enquanto o resto das pessoas, provavelmente, acabava os seus jantares. Logo aí uma verdadeira adversidade: estarola terceira tem vertigens e nós não sabíamos! O cabo dos trabalhos para a convencer a colocar-se a três passos do varandim, onde se deixou ficar tesa que nem um carapau, os olhos no chão com nervoso miudinho. O que fazer? Nada a fazer. Ir espreitando as formigas lá em baixo a entrar aos poucos (muito poucos) e silenciosamente. Continuava nervosa, apreensiva com a sala tão cheia de espaço e imaginando o inevitável nó na barriga dos que se encontravam, nesse momento, do outro lado do palco. Mas, devagar, a área da frente foi-se compondo e, quando as luzes se apagaram, já o cenário não parecia tão negro.

Ela entrou seguida das palmas, algo brilhante, vestida de cor e em cima de uns saltos pouco habituais. O meu samba vai curar teu abandono… E parecia o CD a tocar. A voz é tal e qual e, no Coliseu, a distância do piolho ao palco não nos ajuda a sentir o forro quente do ambiente – principalmente tratando-se de pitosgas como eu.

Entretanto a estarola terceira mantinha a postura pétrea, muito embora nos esforçássemos por provocar uns abanicos conjuntos ao ritmo do samba. Na única vez que se dirigiu directamente ao público, ao fim de duas ou três músicas, Maria Rita disse-nos que estávamos em casa e que, portanto, fizéssemos o que mais nos apetecesse. Sentar, levantar, dançar, cantar… Ao que um gajo cá de cima gritou “queremos ir aí para baixo!”. Alguns risos nossos, dos pobrezinhos. Mas a verdade é que, depois de repetidamente a estarola segunda ter observado “bem que nos podiam mesmo deixar ir para baixo, há tanto espaço!”, as vozes do povo foram ouvidas. Um dos meninos de fato veio informar-nos que, se quiséssemos, nos podíamos mudar para as laterais lá de baixo, aquelas de onde só se vê meio palco. Bem, foi ver-nos a todos descer quatro lances de escada o mais rápido que as pernas permitiam! O passo da estarola terceira a limitar um pouco o nosso trote. Mas lá chegámos e, tendo esperado o fim de uma música, abriram-nos as portas para entrar. Foi incrível, de repente estávamos ali em cima, até podíamos ver as expressões na cara da mulher! Sentámo-nos as três, para grande alívio da vertiginosa mas eu, na verdade, fiquei um bocado inquieta por não me poder mais abanar. Ao fim de duas músicas levantei-me e afastei-me para não quebrar visibilidades. M. secundou-me e gozámos o Pagu com menos reservas. Nem toda a feiticeira é corcunda, nem toda a brasileira é bunda, meu peito não é de silicone, eu sou mais macho que muito homem! Deliramos com isto. Só que o espaço nas bancadas também não é muito e tardou pouco a decidirmos descer para dar chão aos pés. A coisa não parou por aí. Uma música volvida e alguma alma iluminada, das que se encontravam connosco no local, abriu a portinhola do varandim que separava a bancada lateral da central e, em segundos, transbordámos para a melhor zona possível: mesmo ao lado das cadeiras da frente, em pé, com imenso espaço de dança, sem incomodar vistas, e tendo o palco a uma distância quase ridícula. A cantora estava cada vez mais animada e o público já se ia levantando e vibrando. A fraca tentativa do fato engravatado nos dissuadir de ficar ali foi posta de lado como um par de meias sujas. Não houve insistências. Parecia que o concerto tinha então realmente começado. O repertório passou a incluir músicas anteriores e mais conhecidas e ela ia gingando de um lado para o outro do palco, de braços no ar como de costume. Parava à nossa frente e abria grandes sorrisos à Elis. Gritámos, cantámos, saltámos, fingimos que sambámos e divertimo-nos à grande. Posso dizer que foi dos melhores concertos a que já fui. Um encanto. Mesmo vestida para sambar, a Maria Rita surge-nos como uma pessoa real e talvez seja isso, para além da voz, da presença e da simpatia, que a liga tanto ao público. Depois de mudar para um vestido muito, muito mini, entrou no palco debaixo de uma cascata de assobios. O resultado foi um envergonhado ataque de riso que não a deixou cantar metade de uma música. Já se sabe, é destas coisas que se alimenta a empatia entre as pessoas.

Saímos de lá a tender para o histéricas, com o ritmo sambista no sangue a pulsar. Não nos calámos até casa. E depois disso. E só dava vontade de lhe ligar para dizer “Rita, obrigada! Foi único. Deixaste-me endorfinas para o mês inteiro.” Não seria mentira.

3 comentários:

C.M. disse...

Pois bem que tinha razão a M. daqui de casa quando ainda me convenceu a trocar a malfadada urgência para irmos as duas ver a Maria Rita, a brasileira nova geração que ambas ouvimos e gostamos...mas...nem hipótese!
Depois da tua descrição...para a próxima nem que..."a vaca tussa"?
Beijinhos

sara disse...

pois é, pois é... venho a descobrir, nos últimos dias, que afinal eu e a M. não somos as únicas fãs oficiais da gaija ;)
para a próxima tás lá batida e levas também as endorfinas p casa!
bjs

calvinn disse...

qual maria rita qual carapuça, acabadinho de vir da avenida da liberdade so tenho duas palavras para ti...fanfare ciocarlia. sim quando digo que vim da avenida da liberde é porque os senhores acabaram o concerto a tocar na rua auiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii:) plim.

atentamente
calvinn