04/09/07

mais questões de sexo...

Os Zo’e foram uma das últimas tribos índias a entrar em contacto com o dito homem branco: descobertos em 1975, só em 1989 saíram as primeiras imagens desta pequena população “intacta”. São os tais que se decoram, se é que se pode chamar assim, furando o lábio inferior e enfiando-lhe um cilindro de madeira. Embora nalguns sítios se diga que é um hábito imposto aos rapazes a partir dos dez anos de idade, isso não é verdade. Tanto homens como mulheres exibem o seu canudo no queixo com orgulho.


Aqui há uns dias, enfrentava eu a caixinha do diabo (vulgo televisão) no aconchego do lar quando me deparei com um documentário no canal Odisseia sobre este povo.

A atenção não era máxima, dado que o jantar de pão d’alho acabado de sair do forno, evidentemente, me motivava mais os neurónios do que um grupo de indios nús, de dentes podres, no meio da selva. No entanto, pelo meio dos encantos da manteiga derretida, saltou-me aos olhos uma imagem curiosa. Uma das raparigas índias, que já tinha sido apresentada como mulher de um tal homem, deitava-se agora muito regalada na cama de rede de outro, enquanto o locutor explicava que os dois partilhavam a mesma mulher. Partilhavam! Agucei imediatamente o ouvido para me poder indignar à grande com tão vergonhoso sistema (como é que se pode encarar as mulheres como um bem a partilhar?).
E o senhor passava a explicar: esta mulher de dezassete anos, casada com o primeiro, tinha sido emprestada ao segundo para o ajudar nos trabalhos do campo. É que os dois homens eram amigalhaços do peito. Segundo um dos índios mais velhos, um homem sem mulher é muito pouco, fica preguiçoso sem as obrigações impostas pela família e apenas deambula tristemente. Então o amigo número um, compadecido do amigo número dois, emprestou-lhe a sua própria fêmea. Com o passar do tempo e a interacção diária, a mulher e o amigo número dois acabaram por se apaixonar, levando a que aquilo que era uma situação temporária se transformasse numa “partilha” assumida. Sem pruridos por parte de qualquer um dos três. Impressionante, não?


Uma relação deste tipo, na nossa sociedade actual, podia ser designada como “poliamorosa”. Os poliamorosos são pessoas que defendem que ser poligâmico é tão válido como ser monogâmico e que não deve haver pressão em nenhum dos sentidos. Ouvi uma entrevista do Alvim no seu programa "Prova Oral" a algumas pessoas que praticam este amor livre e desembaraçado e não é que me pareciam bem felizes todos eles? Regra geral mantêm relações a que chamam “primárias” com um ou dois parceiros (é com essa(s) pessoa(s) que normalmente vivem) e, na categoria dos amigos, as coisas às vezes extravazam para o sexo. No big deal, até porque falam com os primários sobre tudo e, pelo que dizem, isso muitas vezes ajuda a sua própria vida sexual. Pergunto-me só como farão para contornar o ciúme...

Há pessoas que vivem assim. Talvez sejam mais do que pensamos.

A sermos totalmente honestos, a monogamia não pode ser dada como um comportamento típico da nossa espécie. Antes, ela é socialmente imposta desde há muito e, como aponta Kinsey (1948) no seu famosíssimo “Sexual behavior in the human male”, ao longo da história, a maior parte das civilizações humanas regulamentou fortemente as relações extraconjugais. Se o fez é porque elas têm alguma tendência a surgir. Digo eu. Neste mesmo estudo, com uma amostra de cerca de 300 indivíduos, Kinsey e os seus colaboradores verificaram que entre 27 e 37 por cento dos homens já tinha sido infiel à sua mulher pelo menos uma vez. Quanto aos números relativos à infidelidade feminina não posso informar porque se trata de um volume separado (era uma época de calhamaços!), que não tenho. Sei, no entanto, que esse tal “Sexual behavior in the human female” caiu que nem uma bomba no seio do moralismo americano do pós-guerra. Aliás, quem viu o filme “Relatório Kinsey” já sabe.


Mas voltando ao busilis... O que me motiva a analisar estas questões é a procura de uma explicação “natural” para aquilo que fazemos. E no “natural” não incluo apenas o fisiológico como também o social que, sem dúvida, tem tanto ou mais peso que o resto! É natural sermos sociais e, como tal, existe em nós um instinto básico de integração e um sentido de comunidade que não há que descartar em situação alguma. Portanto não se decide de ânimo leve “olha, agora vou ser polígama” e está tudo bem. Só que trazer luz ao assunto, fazer comparações, estudar comportamentos, pode ir ajudando a que nasçam novas ideias em novas cabeças. Não é?

Esta semana o Courrier Internacional também decidiu falar de sexo - mais especificamente sobre a relação do sexo com a Igreja. Ainda só li por alto, mas interessou-me a seguinte observação do jornalista Jean-Claude Guillebaud, da revista “La Vie”:
“Nenhum grupo humano se pode perpetuar sem um mínimo de interdições sexuais, por exemplo, a violência sobre crianças, o incesto, a violação, etc. Essa necessidade fundadora não tem essência religiosa, mas antropológica”.
Fez-me pensar que talvez a vantagem de viver em sociedade e partilhar uma conduta de comportamento (que se transmite culturalmente) seja tão poderosa que se sobrepõe aos sistemas que adoptamos em si mesmos. Ou seja, que diferentes sistemas podem ser igualmente vantajosos, consoante o ambiente social em que se vive, tornando assim complicado o estabelecimento de uma regra geral.

Lá no alto dos Himalaias, penso que no Nepal, as mulheres do povo Nyinba casam-se com vários homens. Estes são quase sempre irmãos entre si e ocupam com ela uma casa comum. Quando nasce um filho não se sabe de quem é, mas ninguém se parece importar com isso. E porquê? Em grande parte, provavelmente, porque o modo como somos educados nos molda muito bem as ideias. Mas também porque, arrisco-me a sugerir, se tratam de homens que são irmãos e, logo, mesmo que gastem tempo e energia a tratar de uma criança que não é sua filha, ela é pelo menos sua sobrinha. 25% da informação genética está lá. Para além disso é gente muito pobre que precisa de concentrar na família a pouca riqueza que tem.
Um sistema poligínico (um homem com várias mulheres) é mais frequentemente adoptado em culturas em que os homens têm mais poder e riqueza, como, por exemplo, na islâmica. Também os mormons têm duas mulheres por homem, embora aí se viva tudo condicionado por um pavor escatológico. É que se não o fizerem, o Criador amaldiçoá-los-á para sempre, como fazia com os desgraçados dos medievais!

Para tudo isto me parece interessante olhar sob diferentes perspectivas. Afinal o que é que somos? O que está certo, o que está errado?
Quanto a nós que aqui estamos em frente a um computador, não sei bem para onde vamos, mas sugiro tolerância. Sempre e em todos os sentidos, desde que não nos tratem mal (e mesmo nesses casos podemos, talvez, pensar duas vezes...). É que só nos enriquece.

Fiquem bem! :)

3 comentários:

Unknown disse...

Parabéns pelo teu blog - escreves muito bem!

sara disse...

helena, many thanks :)

Anónimo disse...

Cara S., se me permite a sugestão não acredite em tudo o que vê, ou lê. Marimbe-se para os vários estudos das sociedades, que lhe fiquem mais longe que a Lourinhã, ou mais perto se preferir, e estude exaustivamente o conceito do desejo. O tema continua a meu ver a ser mais obscuro que o facto do ministro Amado ter ignorado o tibetano. As relações poli qualquer coisa dão sempre fita, ou por causa do leasing do carro, ou pela educação dos filhos, pagamento incluído ou por montes de outras coisas. São coisa de criança em loja de brinquedos ou de coleccionador com dificuldade de escolha e receio de morrer. Para perceber se o que dizem será verdade teria de viver com eles e por uns tempos. Don Luís Buñuel no seu reeditado “O meu ultimo suspiro” dá como a sua maior vitória sobre a carne a chegada à idade da renúncia sexual ainda com bons pulmões e fígado para beber aperitivos e fumar cigarros rúbios. O desejo sexual, se seguido à letra e de um modo não contrariado dá-nos cabo da vida, e da de quem nos rodeia. Admito que se atinjam momentos de enorme satisfação, bem superiores a ter estado no Porto nas Air Races, se bem que Hunter Thompson considere a vida politica better than sex, mas é muito complicado. A título de exemplo imagine, e basta considerar para já no grupo das pessoas que conhece, as que lhe inspiram desejo e tente de um modo honesto explicar a si mesma o motivo. Depois desse trabalho de casa dirija-se a cada uma delas, à vez para evitar melindres e diga-lhes o que descobriu. Vai ver que a confusão nas cabeças de gente certamente inteligente será medonha.
Enjoy your meal, ou como se diz por cá onde o prazer ainda é pecado, que lhe faça bom proveito.
Ex-Diana