as escadas do metro quando comecei a ouvir umas pancadinhas regulares logo abaixo de mim. Virei-me para olhar e lá estava um cego. Ao bater com a bengala nos degraus assegurava-se que era preciso continuar a subir. Visto assim não parece difícil. Mas tentei imaginar em que mudaria a minha existência o facto de não conseguir ver. Em primeiro lugar, o mais provável seria não estar a subir aquelas escadas naquele momento, a caminho de uma manhã em frente ao ecrãn de um computador. O que faria nessa manhã - em todas as outras manhãs - se fosse cega? Ficaria em casa? Dormiria até ao meio-dia? Teria alguma ocupação ou nem por isso? São questões a que não consigo responder, por muito que o tente imaginar. De uma coisa, no entanto, fiquei segura: estaria extraordinariamente dependente dos outros. Enquanto crescesse, enquanto me movesse, enquanto quisesse saber mais sobre o mundo... Iria precisar de ajuda. Pouco me estaria tão acessível como se pudesse ver. Não iria guiar um carro. Com dificuldade acenderia uma lareira ou montaria uma tenda para acampar. E a maior parte dos livros ter-me-ia que ser lida, quer por um amigo ou uma gravação.
Olhando à volta para o resto da Natureza percebemos que um indivíduo cego tem fraquíssimas probabilidades de sobrevivência. Não é por mal nem por bem, é só assim. Uma zebra que não veja é a primeira a marchar na cadeia alimentar. Chamam-lhe um figo! Por isso é tão intrigante que os humanos exijam socialmente o cuidado com os outros, em especial se estes forem incapacitados. É preciso gastar energia preciosa para o fazer, mas somos compelidos a fazê-lo. Bem sei que isto parece básico. Quem precisa mais deve ter direito a mais. Mas é básico apenas porque são as regras segundo as quais vivemos, talvez nunca as tenhamos chegado a pôr em causa. Desde quando seremos assim? Desde quando passou a fazer parte de nós este marcado, embora por vezes duvidoso, altruísmo? Actualmente temos um sem-número de associações de apoio, promovemos o voluntariado social, chegamos mesmo a punir quem não ajuda uma pessoa em perigo. Estabelecemos regras morais. Grande parte da população mundial cresce a ouvir como exemplo a história do senhor que deu a vida por nós todos. E porque será? Os insectos têm sociedades, outros mamíferos têm sociedades... Nenhum parece partilhar com os primatas (em especial connosco) a capacidade de sentir empatia. Não me atrevo a dizer que ela é a base - simplesmente porque não me quero esticar - mas que é uma linha bem definida do que significa ser humano, disso não haja dúvidas.
Estando numa de cegueira, acabo com Saramago, uma achega de que gosto:
"Se puderes olhar, vê. Se puderes ver, repara."
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1 comentário:
...anda é tudo cego a olhar cada vez mais para o próprio umbigo.
ass. calvinn
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